vaidade das vaidades


Todos sabemos que o crítico não nasceu para ser amado. O crítico, como o treinador, o jogador de futebol, mesmo o ministro e o chefe de qualquer espécie, veio ao mundo para o ódio porque toda a gente acha que era capaz de fazer melhor que ele. Isto porque, por uma qualquer razão ignota inscrita no código genético humano, ficou ditado, desde tempos imemoriais, que cada indivíduo achasse, inevitavelmente, de si próprio que é, pelo menos, capaz de fazer todas estas coisas: criticar, treinar, jogar à bola e mandar, seja lá de que maneira for. Vai daí, manda bitaites, palpites, tece conjecturas, tem uma estratégia para fazer melhor.
Ora, acontece, evidentemente, que poucos nasceram para jogar futebol, treinar, mandar ou criticar honestamente.
Mas cabe outro problema debaixo da designação do crítico: é que, por muito que lhe custe admitir, ele não constrói. Ao contrário do jogador e do treinador, do ministro e do chefe, ele está ali para um exercício posterior à criação, à feitura, ao objecto.
O indivíduo comum não olha para o astronauta e diz que faria melhor. Nem para o poeta. Nem para o bailarino. Nem para o astrofísico. Nem para o contabilista. Valha-nos isso.
Onde reside o grande imbróglio? É que, ao contrário desse indivíduo comum, o crítico acha que, além de presidentes, ministros, chefes, treinadores e jogadores, também seria capaz de fazer melhor que bailarinos, poetas, contabilistas, astrofísicos e astronautas.
Que quer isto dizer? Que, por muita injustiça que sofra, o crítico merece, amiúde, o ódio que lhe movem.
Além de todas as razões frequentemente apresentadas para esse merecimento, junto mais uma que parece andar a fazer escola em Portugal: a crítica ao clássico. Ou melhor, a fraude de crítica, a oca atribuição de estrelinhas (cinco, claro) a qualquer clássico que seja reposto nas salas nacionais, subserviente, pretensiosa, tola, inútil, etc.
Aconteceu com Citizen Kane; aconteceu com Some Came Running; aconteceu com Amarcord; acontece, por estes dias, com Aurora.
Porque, numa manobra interessante de algumas salas e distribuidoras, se têm exibido estas películas, em cópias novas, nas salas de circuito comercial, para que milhares de espectadores tenham oportunidade de, pela primeira vez, vê-las onde devem ser vistas, no grande ecrã.
Então, os críticos aproveitam a oportunidade para dar mais um sopro naquele ego convicto de que só ele entendeu na plenitude os grandes génios. E vai de distribuir cincos a Welles, Fellini, Murnau, como se alguém, no seu perfeito juízo, fizesse depender a sua decisão de assistir a obras-primas aclamadas pelas décadas do número de estrelinhas que lhes entendeu dar o senhor do DN, do Público ou do Expresso.
Tenham dó.
AB

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