Noite algarvia

«Pergamóide», «esticadores», «avançado» ou «espias» são palavras que, se calhar, desconhece. Mas a verdade é que foi rodeado delas que assisti ao LIVE AID. A adolescência é lixada. Atente-se na sonoridade da palavra (atente-se), uma espécie de obsolescência ao contrário. O campismo está para as férias como o Aquário Vasco da Gama para o Oceanário. Mais pequeno, vai-se quando se é puto, e, para quem gosta de aquários, melhor. Quem não gosta, vai comendo super máxis e espera que acabe depressa. Confesso que vivi o «camping gas», o «atrelado», a «massa consistente», que «fui à praça», e «lavei a loiça». Parece mau, não é? – e era mesmo. Eu é que ainda não sabia. No meu caso, vinte e tal anos disto, nem todos desagradáveis devo notar. Houve todavia uma indicação premonitória de que umas outras férias eram possíveis. Não, não foi o famoso incêndio no Parque de Campismo da Praia Verde (talvez o maior português da altura, seguramente o maior da Europa). Imaginem dez mil pessoas a tentar sair e os bombeiros a tentar entrar pela sonolenta cancela do Parque, enquanto botijas de camping gas explodiam e os jerry-cans (outra alegada «palavra») de água derretiam. O pior não foi o pânico que se instalou, o pior mesmo era ter que andar, comer e dormir folheado a Tabard. O incêndio, como de costume nestas coisas, foi o melhorzinho que podia ter acontecido. Ninguém se magoou, a não ser o Parque. Mas os Verões no Parque de Campismo do CCL na Praia Verde entre Altura e Monte Gordo tinham uma qualidade que os redimia, o cinema ao ar livre. Há quem também fale muito e ainda ontem do self-service, mais especificamente dos crepes de chocolate que por lá abundavam. Eu consigo imaginar qualquer das duas cenas. Petiz, braço direito pequenino e gordinho apertando para cima a para baixo a saia da mãe – «ò mãe, quero um crepe de chocolate» – «ò mãe vamos ver o Super Homem V ao cinema» – ou, melhor, como acho que chegou a acontecer, - «ò mãe», as duas coisas. O projector fazia imenso barulho, como o da Sala 1 do Fonte Nova (não ir lá ver o Gilliam), as cadeiras eram daquelas desdobráveis de madeira que gingavam de contra o chão, o écran parecia enorme mas era pequeno, o som era pior. O ar era quente e gentil. O céu por cima, estrelado estrelado, era dramático, de cenário de Visconti. O cinema tudo redimia, tudo resgatava da fealdade, do absurdo, e da pequenez. Se tivesse que escolher um esconderijo para dentro do qual fugir durante a adolescência, seria, ainda hoje, esse.
Rui Branco

PS Eu gosto muito do Aquário Vasco da Gama, não liguem ao que ficou escrito.

Comentários

Barreira Invisível Podcast