r-existir

Assistindo, a noite passada, a The Brothers Grimm (até estou admirado de ainda não terem começado a gozar com esta minha mania de escrever os títulos no original), voltou-me à ideia uma das melhores coisas que tem o cinema, particularmente se experienciado nas salas criadas para o efeito: a possibilidade da inexistência.
Do outro lado do corredor central, na quinta fila e primeira com espectadores, dois homens estavam sentados. Falavam, contorciam-se nas cadeiras, mexiam num saco plástico qualquer, mantinham os telemóveis ligados, ainda que em silêncio, mas sempre piscando luzes e escrevendo mensagens. Ao surgir do primeiro nome da ficha técnica, pularam dos lugares como quem salta do divã de um dentista sádico no final de uma destartarização cruel.
Por uma vez, nem me dei ao trabalho de os mandar calar. Eram um filme dentro do filme - melhor seria ficar a observá-los.
Que diabo estavam ali a fazer? Será que recebiam dinheiro por isso? Cumpririam uma promessa? Apesar do pormenor do saco plástico, não pareciam homossexuais, portanto, nem estariam por ali a usufruir da escuridão daquela forma que todos nós consideramos legítima de quando em vez.
E lembrei-me do pequeno prazer que sinto sempre que desligo o telefone antes de entrar para uma sessão, do último cigarro que fumo, de guardar tudo, excepto os óculos. De correr para as primeiras filas, onde ninguém mora e se faz ouvir, para duas horas sem nome nem rosto nem localização possível.
Quando será que aqueles dois (e todos aqueles que caem debaixo do mesmo perfil) descansam de existir? Ao volante? No trabalho?
Alexandre Borges

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