Alice já mora aqui

Já tudo foi dito sobre esta pérola do cinema português. Quero destacar apenas a primeira cena do filme: a câmara move-se lentamente por um quarto pequeno, que se adivinha desarrumado e triste. A mulher, Beatriz Batarda, tem a dor reflectida nas olheiras pronunciadas e na respiração sobressaltada. Quando ela, a meio da noite, sussurra por instinto para o homem, sem sequer abrir os olhos,

"Vai dar-lhe o leite quente, amor"

quase não precisamos do olhar perdido de Nuno Lopes, do seu reflexo mecânico ao acordar, das rugas do sofrimento disfarçadas pela barba, para saber duas coisas:

que a criança já não dorme no quarto ao lado e que estamos somente no início de um grande filme. Economia de palavras, definição de personagens, o conflito, o pathos, basicamente tudo o que costuma faltar ao cinema nacional, está ali - numa só cena.

Luís Filipe Borges

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