Sair a meio do filme

Há quem ache que a qualidade de um filme, de qualquer filme, se percebe nos primeiros cinco minutos. Sai-se da sala porque se sabe, «with the imperative clarity of a hunch», que o filme é mau. Nessas circunstâncias, ao contrário do que poderá parecer, sair aos vinte minutos de uma chumbada é já uma concessão às conveniências. Sempre discordei, porque sempre achei que a qualidade suficiente do filme é apenas uma das razões para se ir ao cinema. Há quem vá para os cinemas curtir, outros passar o tempo. Há quem ache que ver maus filmes é tão formador do carácter como ir para a cama com uma mulher muito feia e gorda, outros que gostam beatificamente de ver filmes, qualquer que seja. Se a circunstância do filme ser bom ou não não me costuma impedir de querer ir vê-lo, porque haveria de impelir-me a sair a meio? E no entanto. Saí pela primeira vez de um filme há dois Verões atrás. «Catwoman», sessão da meia-noite no Fórum Algarve. Mesmo assim só saí ao intervalo, depois de um cigarro. Parece-me óbvio porquê, apesar da Halle Berry. E não é só com blockbusters. Passa-se com certos filmes intelectuais o mesmo que com certas raparigas: insuficientemente giras para serem tão inteligentes. Mas também há filmes que por serem tão maus é sair deles a meio que é uma concessão, mais do que às conveniências, à estupidez suprema. Por exemplo, o «Saved». O filme era tão mau, apesar do Martin Donovan, mas tão mau, e tão logo mau ao fim de cinco minutos, que reivindicava especificamente que ficasse até ao fim. Não por ter esperança numa qualquer melhoria (a estupidez raramente tem melhoras), mas por uma questão de brio. O facto de não ter pago bilhete (KingKard) mais me impedia de sair. Aliás, ter ou não pago bilhete é irrelevante para a decisão de sair. Eu não quero o dinheiro de volta, quero as duas horas de volta. Há filmes assim, sem qualquer qualidade que os redima. Esses, ao contrário das pessoas sem qualquer qualidade que as redima, exigem que fiquemos até ao fim.
Rui Branco