Diz-me quem estava na sala, dir-te-ei quem és

Percebi que havia qualquer coisa de profundamente errado comigo (para além das talas de dormir para os joelhos e de me chamar Carvalhinho Branco) quando no dia 25 de Dezembro de há uns anos atrás decidi ir a meio da tarde ver o filme «Inferno» do Joaquim Leitão e estavam duas pessoas na sala do Mundial, eu e um tipo que eu conhecia de vista, ou mais precisamente da cantina, da Biblioteca Nacional. Um louco, possivelmente historiador, se calhar sociólogo, de cara à banda, mas parada, lábio rútilo, e óculos tortos, suado sempre. Cuidadosamente desmazelado era o Kurt Cobain; este era absurdamente alheio ao desmazelo, que só uma falha muito íntima e subida, e por isso obscena, de pudor lhe impedia de reconhecer. À saída, em vez de me raspar como dois senhores bem postos do Lyons Club que se cruzam indesejavelmente à saída do TIC, ficámos mansamente a trocar amenidades. No dia seguinte, lá estávamos, eu e ele, na Biblioteca Nacional, essa praia do Malhão distópica. Continuámos sempre a trocar amenidades desconfortáveis e no outro dia até lhe pedi uma referência bibliográfica para uma nota de rodapé.
Rui Branco

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