ao balcão

Lembro-me de ver o Braveheart ao balcão. Hoje, se quisesse recuperar o espaço criador dessa memória não poderia fazer mais do que entrar no Hard Rock Cafe, pedir uma mesa, e fazer o meu próprio Amarcord.
Não sei o que têm (tinham) os cinemas com balcão que me atraem tanto. Quando faço - agora - um esforço de análise sugiro a mim mesmo o factor levitação: o balcão tirava-me do chão e punha-me ali, mesmo em frente ao ecrã. Ainda tento iludir a morte do cinema ao balcão com a preferência pela primeira fila, quando a sala permite. Nada entre mim e o ecrã, é a palavra de ordem, que tomei como mote. O balcão permitia isso. Tanto me afastava da tela quanto me colocava à altura de Elena, entre os homens. Além disso, no seguimento do que escrevi no texto anterior, o balcão implicava um caminho. Um pouco mais do que os passos rápidos pela plateia até ao lugar destinado, o balcão implica percorrer o espaço, habitar o edifício. O Condes, o último cinema de Lisboa com balcão (tanto quanto me consigo recordar), mas também o Tivoli perduram na minha imaginação mais do que na minha memória: continuo a ver cinema ao balcão dessas salas. Projecto de novo filmes preferidos - Il Gattopardo, no Tivoli, Romeo + Juliet no Condes. Edifícios - também aqui a arquitectura é decisiva - que eram Cinema. E o balcão, era parte da experiência cinematográfica, para além do fenómeno social. Quem teve a oportunidade de ver cinema na sala do Palácio Foz pôde perceber isso. Mas talvez não haja qualquer explicação para além desta: nos cafés como no cinema, principalmente sozinho, gosto de ficar ao balcão.
Domingos Miguel

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