Decálogo

Apesar de não ser cristão ou judeu, tenho um interesse profundo, literário e filosófico, pela Bíblia. Sobretudo pelo Antigo Testamento. Ultimamente tenho pensado bastante nele o que me levou a ter a ideia de corrigir uma injustiça flagrante que venho alimentando na Noite Americana.

Já por mais de uma vez louvei Valentine e o Rouge que a acolhe, louvando, assim, A Trilogia das Cores. Kieslowski merece-o. Mas merece mais. Merece que dê um lugar de destaque ao Seu Decálogo.

Deus, como devem calcular, não brinca. Aliás, o Antigo Testamento confirma-o, se dúvidas houvessem. E, por isso, pode dizer-se que as limitações, falhas e insuficiências do Decálogo não o são, senão uma genial teia divina urdida depois a trama por Kieslowski.

Dir-se-á que o Decálogo é menos polido que a Trilogia das Cores. Será. Dir-se-á que as personagens são mais rudes, menos extraordinárias. Serão. Dir-se-á que o enredo é mais linear, férreo. Será. Dir-se-á que os fins são menos ideias, mais morais. Serão.

Também os 10 Mandamentos. E isso faz do Decálogo, talvez um filme (na verdade, telefilmes, em episódios) menor, que outros de Kieslowski, mas uma obra de arte (sacra), filosófica e de uma profundidade paradoxalmente simples. Acima de tudo, de uma grande beleza. Inspiradora.
DM



P.S. - Já agora partilho convosco os meus três mandamentos preferidos: Não terás outros deuses diante de mim; Não matarás; Não cobiçaras a mulher do próximo.

Comentários

Hugo disse…
Beleza inspiradora, é certo. Mas é também uma beleza terrivelmente problemática. Daquelas que faz reflectir no quem somos e para onde vamos. Afinal, pegar num tema bíblico que, de certo modo vai sempre pressuposto enquanto ideal que rege as personagens, transpondo-o para a tentativa de viver no mundo hodierno através desse mesmo conceito/ideal pressuposto, é algo digno de uma lucidez diabólica...

A final, o que distingue - no estilo - a trilogia das três cores deste Dekalog, prende-se com o facto de a primeira sumariar, na perfeição, os temas de Kieslowski. Quase que se poderia dizer, exagerando um pouco, que se trata de filmes sobre filmes, ou seja, obras auto-referenciais.

Mas que inspiram e dão que pensar, lá isso dão.

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