Citizen Zuckerberg
Estreias: A REDE SOCIAL
De: David Fincher
Com: Jesse Eisenberg, Andrew Garfield, Justin Timberlake
Tem sido dito que “A Rede Social” é o filme de uma geração. A nossa. Esta que andou por aqui na primeira década do milénio (íamos dizer “esta que fez a primeira década”, mas soou, subitamente, absurdo). Talvez sim. Talvez não. O maior triunfo do filme, em todo o caso, não é esse. É pegar no Facebook – coisa que, daqui a meia dúzia de anos, se arrisca a ser tão datada como o Capri-Sonne – e construir uma tragédia intemporal. Um homem só e ressentido cria uma obra colossal que o faz bilionário e mundialmente famoso. Pelo caminho, passa por cima de toda a gente. No fim, está ainda mais só do que começou.
Um rapaz e uma rapariga conversam num bar. Ele é Mark Zuckerberg e ela Erica Albright, a namorada, ambos são estudantes de Harvard. O diálogo é um tiroteio de palavras, marca registada de Aaron Sorkin. Depois de debitarem oito ou nove páginas de guião em quatro minutos, ela rompe com ele e lança o oráculo que vai pairar sobre todo o filme: “Tu provavelmente vais ser rico e bem sucedido, mas vais passar a vida toda a pensar que as raparigas não gostam de ti porque és um nerd. E eu, do fundo do coração, quero que saibas que não será por isso. Será porque és um cretino.”
É a partir daquele estranho momento fundador que Zuckerberg vai criar o Facebook. Naquela mesma madrugada, insulta a ex-namorada no blogue enquanto cria um portal com fotos de todas as raparigas de Harvard aberto à votação do público. Tem 22 mil visitas em duas horas e, quando o escândalo rebenta, já é uma pequena estrela à escala universitária. Ele que não é aceite em nenhum dos clubes da Universidade; ele que, até ali, não existia. Nos dias seguintes, dois irmãos gémeos que representam o oposto do que ele é – bonitos, ricos e populares – e um amigo convidam-no para desenvolver uma ideia que tiveram: uma rede social à escala de Harvard. Enquanto Zuckerberg protela a entrega do trabalho, vai desenvolvendo outra coisa: o Facebook. O primeiro clube que não só o vai aceitar, como vai tê-lo por presidente.
Dizem que David Fincher, o realizador, e Sorkin, o argumentista, traçaram um retrato tenebroso de Zuckerberg. Um génio da programação que vai atraiçoar toda a gente até chegar ao topo. Mas eles dizem outra coisa: dizem que, no fim do filme, dá vontade de o abraçar. E é verdade. Segundo a “A Rede Social”, Zuckerberg não faz o que faz por ganância, por dinheiro. Este Zuckerberg pisa tudo e todos porque quer ser aceite, quer ser amado. E toda a gente vai compreender isso – porque ser aceite e amado é o que qualquer pessoa quer.
Este filme é de Aaron Sorkin. É texto, personagens, estrutura. É com elas que nos leva em velocidade de ponta do primeiro ao último segundo sem travar nem mudar de direcção. Entramos como saímos – com vontade de voltar ao início. Nem se dá pela estrutura clássica dos três actos. Nem se dá por David Fincher. Tudo o que nos importa é este tipo. Este miúdo sobredotado e mal-amado que, um dia, vendeu as pessoas a si mesmas, deu-lhes exactamente o que elas já tinham, mas estampado numa página de internet, e se tornou no mais jovem bilionário de sempre. Quem é este tipo que criou uma rede onde decorre uma competição para ver quem arrebanha mais amigos, e um dia ouviu de Eduardo Saverin estas palavras mortais “Tinhas um único amigo e acabas de perdê-lo.”
A obra de Zuckerberg é a sua negação. Tudo o que conseguiu só serviu para pôr em evidência tudo aquilo em que falhou.
Dizem que o verdadeiro Mark Zuckerberg deve estar muito incomodado com o retrato que fizeram dele. Duvidamos. A verdade é que tem 26 anos, ainda não morreu e já fazem filmes sobre ele.
AB
i, 2010.11.04
Comentários
DM
Apenas um pormenor que não julgo ser irrelevante: ela estuda na Universidade de Boston, não em Harvard. É, aliás, na sequência de uma piada dele sobre isso (não tens de estudar. como é que sabes? andas na BU) que ela perde definitivamente a paciência na cena inicial.