Três socos no estômago de que me lembro bem

«Funny Games», de Michael Haneke.
«Elephant», de Gus van Sant.
«Os Mutantes», de Teresa Villaverde.

«Funny Games» começa e aleija logo a música em altos berros por cima do jipe, e aleija tanto mais porque se contrapõe à placidez da família feliz e à segurança que se desprende do jipe caro, possivelmente alemão, de alta cilindrada em que se desloca. «Elephant» agride pela ausência de diferença de registo entre o «antes» e o «durante»: a mesma lentidão sonâmbula, contraposta ao frenêsi das nuvens do céu, sempre mais escuras. Em «Os Mutantes» saí da sala como Ana Moreira da casa de banho da estação de serviço onde deu à luz.
Estes filmes têm em comum o verem-se com o corpo. Que fazer quando um filme provoca um permamente desconforto físico, mas do tipo contrário àquele da última meia-hora do «Artifical Intelligence»? Ficar na sala, claro. Senti-lo faz parte deles. Não é tanto a violência, como a dor. Deste ponto de vista, a imagem do soco é desajustada: o saco leva-se, dói e passa. A dor continuada, fininha, como um frio por dentro, não. É assim, talvez, por nos fazer sentir o tempo a passar em tempo real pelo duodeno, o que, por assim dizer, é excruciante. Como um viciado em heroína a ressacar que, por ter o sistema de opiáceos desligado, sente cada grão de areia no chão de contra o pé como um espigão pela carne adentro.
RB

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