telegrama sobre um jogo falhado

1. Woody Allen deve ser o único realizador do mundo a quem os críticos atribuíram uma classificação própria: "woody allen maior" ou "woody allen menor". Não a utilizarei por ser evidentemente ridícula e porque este filme é, nas palavras de uma qualquer actriz de novelas a uma qualquer revista de TV, "diferente";

2. Woody quer ser tão diferente que troca a comédia pelo drama, Nova York por Londres, o jazz pela ópera, as one-liners por parágrafos sensaborões sobre a culpa e o desejo, enfim, tão diferente que até se anula do filme (e não apenas como personagem);

3. O Rhys Meyers, além de surpreendentemente canastrão, teve bem mais química com Ewan McGregor, em Velvet Goldmine, do que nesta película com "la" Scarlett;

4. Aliás, Scarlett e Jonathan são tão parecidos que mais parecem irmãos. Se a ideia passasse por aí, quiçá sobrasse qualquer coisa de interessante;

5. Allen quer ser subtil mas falha redondamente. As referências a Dostoievsky não são discretas, até temos direito a um plano do calhamaço do "Crime e Castigo" nas mãos do protagonista; o primeiro encontro entre os mútuos objectos de desejo, na sala do pingue-pongue, pretende simular as velhas cenas de sedução que fizeram história nos primeiros clássicos do cinema mas, para ser franco, já vi mais subtileza em certos vídeos porno - o engate é tosco, rude, mal conseguido;

6. A Londres deste filme é uma miscelânea de cartões-postais, e mesmo assim filmados com mal confessada vergonha. O realizador não parece, claramente, à vontade neste cenário;

7. Na minha opinião, Matchpoint daria uma excelente curta-metragem: o bom prólogo, o brilhante epílogo e duas ou três cenas pelo meio. Tudo o resto, e estou a falar de uns bons 80% do filme, faz lembrar os pastelões à James Ivory;

8. Woody Allen parece ter caído na sua própria armadilha, a que revelava no "twist" de Hollywood Ending: a crítica americana arrasa o filme de um realizador vítima de cegueira psicossomática (e não confessada) mas a crítica europeia, em especial a francesa, tece loas à obra. A este pesadíssimo, trapalhão e por vezes inverosímil "Matchpoint", para levar os críticos do Público ao orgasmo, só lhe falta mesmo ser falado em francês;

9. Num filme sobre o acaso e a importância da sorte e do azar, o realizador caminhou sobre uma linha demasiado ténue: ao filmar a aristocracia britânica de forma tão académica, onde todos são uma caricatura de tédio, snobismo e aborrecimento, dificilmente não resultaria um filme entediante, snob e aborrecido. Teve azar;

10. Poupo-vos aos detalhes patéticos do crime e ao storyline - porque, apesar de tudo, odeio os tipos que me estragam a ida ao cinema por revelarem a história mas sempre vos digo que a sinopse desta película não seria desdenhada por Tozé Martinho;

ps: "Allen's menores"?! Dêem-me uma "Maldição do Escorpião de Jade" anytime!
LFB

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