Uns dias de ilusão, outros de melancolia
Estreias: O MÁGICO
De: Sylvain Chomet
Vozes: Jean-Claude Donda, Eilidh Rankin, Duncan MacNeil
É o outsider da temporada na corrida aos prémios de animação. Nos Prémios Europeus de Cinema, ganhou a categoria, mas daí a triunfar entre a vistosa galeria norte-americana vai uma longa distância. Para já, está nomeado aos Globos de Ouro e aos Critics Choice Awards, discretamente posicionado entre os ombros dos gigantes 3D “Entrelaçados”, “Como Treinar O Teu Dragão”, “Toy Story 3” e “Gru – O Maldisposto”. Há-de chegar aos Óscares, se os deuses do cinema quiserem. E, em todas estas corridas, torceremos por ele, justamente por ser o outsider, o underdog, o melancólico, o palhaço triste, o evangelho que não promete a felicidade eterna.
“O Mágico” é a segunda longa-metragem de Sylvain Chomet, sete demorados anos depois do celebrado “Les Triplettes De Belleville”. Lembram-se de “Les Triplettes”? Tinha uma velhinha que trauteava “Uma Casa Portuguesa” e até respondia pelo nome de Madame Souza. Poderíamos pedir responsabilidades a Chomet pelo “z” no sobrenome da senhora, mas somos o povo que traduziu (força de expressão) “Les Triplettes De Belleville” por “Belleville Rendez-Vous”, esse estrondoso exemplo de Português escorreito.
Chomet trocou as bicicletas de “Les Triplettes” pelos truques de magia de um ilusionista fracassado e a paisagem de França pela neblina da Escócia, mas tudo o resto se mantém, para prazer dos nossos olhos. O desenho à mão, a elegante sobriedade das velhas duas dimensões, as rugas bem vincadas nos corpos das personagens e na história que têm para contar.
O mágico em epígrafe é um francês de meia idade que procura a sorte noutras paragens. É um profissional modesto do métier (sim, se o tradutor de “Les Triplettes De Belleville / Belleville Rendez-vous” pode, nós também podemos): não é particularmente hábil, tem poucos truques na manga e todo o seu número é algo démodé (é ele a dar-lhe e a burra a fugir…). Andando de porta em porta, acaba por ir parar à Escócia e aí conhece Alice, uma jovem simples, do campo, pobre, que vai deixar o que tem – nada – para seguir o ilusionista e o pouco / muito (riscar o que não interessa) que este lhe pode dar: a ilusão.
Jacques e Alice estabelecem-se em Edimburgo. Vivem num pequeno hotel onde têm por companhia palhaços suicidas, ventríloquos solitários e equipas de trapezistas que só encontram trabalho a pintar outdoors de outras vedetas. Ele procura trabalho nas salas de espectáculo, arranja uns biscates noutras funções e traz dinheiro para casa, para oferecer pequenos presentes a Alice: uns sapatos, um vestido, um casaco.
É uma relação delicada e indiscutivelmente de amor, mas Jacques e Alice nunca se tocam porque “O Mágico” é, na verdade, a história que um pai dedicou à filha. Um pai que se chama, como já suspeitávamos pela figura e nome do protagonista e pelo humor triste do conto, Jacques Tati – a dado passo, temos mesmo direito a uns instantes de “O Meu Tio”, quando o mágico irrompe por uma sala de cinema.
Tati terá escrito o guião nos anos 50 para a filha Sophie e adiado o projecto por considerá-lo demasiado sério. Chomet descobriu-o nos arquivos do Centre Nacional de la Cinématographie, transferiu o ambiente da história da Praga original para a Edimburgo onde vive e trouxe-o à vida – sorte a nossa.
“O Mágico” é o presente perfeito num Natal em que parece chover-nos por dentro e por fora. A previsão do estado do tempo não promete rápidas melhoras, mas, enquanto nos demoramos na mó de baixo, talvez possamos aprender com Chomet e Tati a beleza do pessimismo. O riso e a ternura por entre a chuva de Edimburgo. Ou Lisboa.
AB
i, 2010.12.23
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