A guerra continua; os filmes também


Estreias: JOGO LIMPO

De: Doug Liman

Com: Naomi Watts, Sean Penn, Bruce McGill

Valerie Plame parecia uma vulgar cidadã, mães de dois filhos e sem especial opinião à mesa, quando os amigos discutiam política. Aparentemente, o dado mais excitante da sua biografia era o facto de ser casada com Joe Wilson, um antigo embaixador americano apelidado de herói nacional pelo presidente Bush sénior, depois de enfrentar Saddam e ser o último diplomata a deixar Bagdade por altura da primeira Guerra do Golfo. Na verdade, Plame era agente da CIA e, entre várias missões, cabia-lhe um dos mais relevantes dossiers da primeira década do milénio: descobrir se o Iraque tinha ou não um programa de fabrico de armas de destruição maciça.

Contra todos os dados apurados por Plame e até o que o marido viu com os próprios olhos no Níger, donde alegadamente sairiam caravanas e caravanas de camiões de urânio destinado ao Iraque, mas onde na verdade se vivia uma pacatez de cemitério, a administração Bush jura ter provas das famigeradas ADM e avança para a guerra.

“Jogo Limpo” conta esta história pelos olhos do casal Plame-Wilson, de acordo com os livros que escreveram: “Fair Game” e “The Politics Of Truth”, e recorda que a Casa Branca revelou a identidade de Plame como agente da CIA como retaliação pelo artigo do marido no “New York Times” eloquentemente intitulado “O que eu não vi em África”.

Para o cinema americano, pouco importa se uma guerra se ganha ou perde; em qualquer caso, dá assunto para uma mão cheia de filmes. A segunda guerra do Iraque ainda nem acabou e já deu para, pelo menos, meia dúzia: “No Vale Do Elah”, “O Corpo Da Mentira”, “O Mensageiro”, “Estado De Guerra”, “Green Zone” e, agora, “Jogo Limpo” – fora os panfletos de Michael Moore. Cada um deles procurou uma perspectiva própria sobre um aspecto do conflito e isso evidenciou uma lei: os melhores são simultaneamente aqueles que melhor hão-de sobreviver ao tempo, porque se concentraram mais nas histórias humanas e menos nos aspectos políticos e factuais. Têm interesse para além daquilo que, hoje, é actual, mas pouco ou nada dirá ao público de amanhã. Resultado: ninguém duvide de que, daqui a 20 anos, quando ninguém souber o que é “Green Zone”, ainda haverá gente a ver “Estado De Guerra”.

“Jogo Limpo” pode sofrer desse mal. É um thriller irrepreensível, bem escrito, bem filmado, bem montado, bem interpretado, mas que se arrisca a ser também bem datado. Quando W. Bush e Cheney estiverem tão esquecidos que já nem mereçam o ódio que lhes é devotado, a quem importará ver os seus embustes?

Grande parte de “Jogo Limpo” cai no mesmo erro de “Green Zone”: contar, pormenorizadamente, uma história que já toda a gente sabe – que a Guerra do Iraque é ilegítima porque não havia nenhumas armas de destruição maciça. O que o poderia tornar único e duradouro fica confinado a um terço da fita, ou menos: as histórias pessoais de Valerie Plame e Joe Wilson, um casal que quase se desfez, uma mulher que nunca quebrou o juramento de silêncio feito à CIA, cumpriu o seu dever e foi oferecida em sacrifício pelo governo que servia. Uma mulher cuja maior preocupação, antes e depois, foi a educação dos filhos, mesmo quando as ameaças de morte choviam diariamente.

Naomi Watts é espantosa como Valerie Plame, guardando a tensão e evitando a tentação de construir uma figura de mártir. Sean Penn põe o carisma pessoal ao serviço de Joe Wilson, mas, quando tem de subir de tom, sabe a déjà vu. Há ainda um brinde: uma pequena aparição de Sam Shepard como Plame-pai.

No fim, nenhum deles consegue evitar que saíamos com esta sensação: está tudo muito bem, mas agora digam-nos qualquer coisa de novo.

AB

i, 2010.12.02

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