O que é que tu foste fazer, Joaquin?

Estreias: I’M STILL HERE

De: Casey Affleck

Com: Joaquin Phoenix, Sean Combs, Casey Affleck

Ok. Já quase toda a gente sabe, mas recapitulemos: em 2008, quando tinha 34 anos e todas as hipóteses de se tornar um nome essencial da história do cinema, Joaquin Phoenix anunciou ao mundo que “Duplo Amor” era o seu último filme e que ia dedicar-se à música.

Em breve, saltaram para a imprensa relatos de que seria um péssimo rapper, que ninguém o queria produzir, que estava gordo, barbudo e louco. Correu muita tinta sobre a desastrosa presença no “The Late Show With David Letterman”, sentenciada pela frase final do anfitrião: “Que pena que não possas ter estado aqui, Joaquin” (não é difícil ver o paralelo com o nome deste pretenso documentário, “Ainda estou aqui”).

Depois, quando o You Tube se enchia de vídeos amadores da ruinosa actuação de Phoenix num clube de Miami, insultando e tentando bater a uma espectadora, alguém reparou que Casey Affleck filmava tudo, logo ele que calha ser actor, realizador e cunhado de Joaquin. Casey explica que está apenas a filmar o nascimento da nova carreira do parente, mas a desconfiança monta acampamento: seria tudo um embuste?

Affleck e Phoenix deveriam ter parado por aí. A ideia era gira, mas toparam-nos – paciência. Salvo motivos deliberadamente humorísticos, nenhum filme sobrevive à quebra da “suspension of disbelief” – o contrato tácito que filme e espectador estabelecem de um mentir e o outro se deixar enganar – quanto mais um que quer passar por documentário. Mas os cunhados foram em frente e acabaram no pior sítio do mundo: a irrelevância.

“I’m Still Here” conta tudo isto que já sabíamos. O resto é um reality-show obsceno em torno de um homem patético, seja ele real ou ficcionado. Vemos Phoenix engordar, drogar-se, vomitar, defecar em cima dum amigo, receber prostitutas, tratar mal toda a gente, agir como um tonto presunçoso, legitimamente gozado por todos quando abre a boca para cantar. Numa palavra: penoso.

Affleck e Phoenix obrigam o espectador a pôr-se uma pergunta esquemática: isto é verdade ou mentira? E o problema é que nenhuma das respostas tem salvação. A ser verdade, é um espectáculo humano lamentável. Paz à alma de Phoenix e à amizade de Affleck porque, com amigos destes, que insistem em filmar-nos em tais preparos, ninguém precisa de inimigos. A ser mentira, tudo redunda num grande “porquê”.

A dado momento, e valha a verdade que “I’m Still Here” tem a honestidade de o mostrar, o mundo passou a estar-se nas tintas para a resposta. Nem Joaquin Phoenix era tão importante que o seu destino importasse durante tanto tempo a tanta gente, muito menos num mundo que cria e deglute novas estrelas à velocidade da luz; nem a sua história de fracasso, verdadeira ou falsa, tinha qualquer interesse para a humanidade. Quem se poderia identificar com ele? Que boa nova, que alerta, que perspectiva tinha ele na manga?

Recentemente, Casey Affleck terá reconhecido que tudo não passou de um embuste e a falta de eco que a declaração teve prova o quão desinteressante tudo isto se tornou.

Posto isso, sobram várias ideias e nenhuma é boa. Affleck e Phoenix andaram um ano convencidos de ter tido uma ideia genial e de que iam enganar o mundo, mas o mundo não só não se deixou enganar como os ignorou. Foram pretensiosos e ingénuos. Um dia, se Phoenix for recuperado pela indústria, alguém escreverá a sua história e poderá olhar para este caso como uma tentativa de fazer algo novo com razoável interesse antropológico, na linha do que um Andy Kaufman poderia ter feito. Enquanto isso não acontece, se é que alguma vez acontecerá, fica um exercício de egocentrismo levado ao limite, infantil e frustrantemente estéril.

AB

i, 2010.12.16

Comentários

a vida é larga disse…
clap clap clap !!!
Anónimo disse…
:) Obrigado.

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