o fabuloso destino de coco chanel


COCO AVANT CHANEL

Realização: Anne Fontaine

Com: Audrey Tautou, Benoît Poelvoorde

Os biopics são um género ingrato. A vida de um ser humano – ainda por cima, uma que mereça ser contada em filme – não cabe em duas horas. E a sequência lógica de uma biografia só por acaso corresponderá às exigências de criatividade e surpresa que se pedem ao cinema. O resultado mais habitual são filmes trabalhosos, aborrecidos, demasiado empenhados em passar informação, sem golpe de asa e quase inevitavelmente desproporcionais. Há excepções, claro – por exemplo, o genial “Man On The Moon”, biopic de Andy Kaufman por Milos Forman – que não sacrificam a magia do filme ao rigor de uma vida real, ou que optam, sensatamente, por não contar toda a história, mas apenas uma parte dela. É o que acontece em “Coco Avant Chanel”.

“Coco” é, sobretudo, isso: um filme sensato, doseado, elegante, sem artifícios desnecessários, como Coco Chanel teria apreciado.

O título é certeiro: “Coco Avant Chanel” é a rapariga Coco antes de se tornar em Chanel, o ícone da moda. Começamos no princípio do século XX, quando Gabrielle, órfã da mãe, entra num orfanato. Uma miúda vulgar, sem estudos, sem dinheiro, sem nada que anuncie ainda a vida glamourosa que virá. No primeiro andamento de três, acompanhamos as actuações de Gabrielle em cabarés baratos, ao lado da irmã; o número musical que inspiraria o petit nom Coco; e os esforços vãos por conseguir, enfim, o salto. Numa daquelas noites, Coco conhece Étienne Balsan, o rico proprietário de uma quinta nos arredores de Paris. A partir daqui, passamos ao segundo andamento: Coco evade-se da sua própria vida e impõe-se na propriedade de Balsan. Amanhã, pode sempre ser o dia de partir e voltar atrás. E pode sempre ser o dia em que começa o destino bem sucedido de que Coco jamais duvida.

É a partir daqui que a interpretação de Audrey Tautou se torna mais marcante. Uma pequena pedra de energia, inteligência e ambição. A presença que se impõe pelo pequeno espaço que ocupa, com algo de negro e brilhante. Começam os suaves acontecimentos em direcção à História, as mãos de Coco vão tocando mais e mais os tecidos, chocando e surpreendendo a sociedade ainda oitocentista, cheia de roupas excessivas, pesadas e absurdamente adornadas, até à rendição ao estilo simples e sofisticado de Chanel, que aproximaria mulheres de homens.

No terceiro e derradeiro andamento, chega o habitual romance: “Boy”, um industrial britânico que arrancará, pela primeira vez, Coco aos seus próprios passos. Mas, se essa sequência de acontecimentos sentimentais foi ou não importante para Chanel-après-Coco, fica por entender, exactamente, em que medida.

“Coco Avant Chanel” é um filme realizado e escrito por uma mulher – Anne Fontaine – adaptando a obra de outra mulher – Edmonde Charles-Roux, antiga editora da Vogue francesa – acerca de outra mulher ainda – Coco Chanel – uma mulher, por acaso, símbolo de um tema bem mais dado a mulheres – a moda. Mas, dentro daquilo que um pobre homem pode decifrar e escrever, resulta um filme equilibrado, sem grandes erros nem proezas, com uma respeitável vitória no modo subtil como vai revelando a inspiração e a estética de Chanel.

Quanto a Audrey Tautou, oito anos depois, continuará sempre a ter de lutar contra o fantasma de si própria enquanto Amélie Poulain. Mas, de todos os seus trabalhos posteriores – e foram bastantes – este é, muito provavelmente, o melhor. Uma personagem independente, forte e misteriosa, como se apresenta, a um só tempo, na bela e delicada sequência final. Agora, se Chanel era assim ou não, não sei. O melhor é perguntar a uma mulher.

AB

i, 2009.06.25

Comentários

Tiago Ramos disse…
Não é um mau filme, mas podia ser superior. Falta uma dose de energia no filme...
Anónimo disse…
De acordo. Relendo o texto também acho que faltou dizer isso. Obrigado.

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