The Brave One - III - O medo

Talvez não seja coincidência que Jodie Foster tenha sido, em 1995, a apresentadora na América de La Haine, de Mathieu Kassovitz. Doze anos depois é de novo o medo (como já em Panic Room, creio que também não por acaso) o fio condutor de um dos seus filmes. Em The Brave One, se a mudança e a emergência de um outro eu é a matéria e o fim, o medo é o espírito e a causa. A violência - deixo-a para outro texto - é o instrumento. O medo. De novo, o filme de Jordan e Foster não é unívoco a este respeito. Há uma abordagem do medo de perspectivas clássicas mas distintas. Há o medo primitivo e assustador, que surge de repente e tudo contagia. Esse é em The Brave One o medo mais forte e aquele que se coloca no meio de filme como o demiurgo de tudo. Mas há depois um outro medo, mais comezinho, mais moído, talvez mais importante. O medo que resta, dir-se-ia, a moinha que não mata mas mói, o medo com que se aprende a viver e que, surpreendentemente, se torna numa espécie de ausência do medo, apenas localizável, explicável, por seus aparentes contrários. Foster a dado momento do filme questiona-se em voz off por que não lhe tremem as mãos (numa das cenas em que melhor observamos o surgimento da brave one, no sentido irónico do filme). Creio que a responder-se a Foster a melhor réplica seria pelo domínio do medo. O interessante é que em The Brave One, como em tantos casos que vamos conhecendo ao longo da vida, o domínio do medo é uma cedência ao seu jogo, um seu enclausuramento para logo irmos descobrindo que estamos apenas ao seu serviço, de uma outra maneira. E aqui surge uma outra toada do filme de que muito gostei e que creio só se notar graças à riqueza interpretativa de Foster: o desejo de ser apanhada. Quando vivemos sobre o medo e a raiva, mesmo que tendo passado para o seu outro lado e agora - em aparente controlo - sendo cada um de nós uma sua ferramenta, com todo o poder imediato e efervescente que isso acarreta, começa a surgir, nos espíritos ainda com alguma vontade de regressar ao Outro sem medo - sem a noção e a experiência do medo (coisa bem diferente de não ter medo por tê-lo controlado ou sob seu controlo estar) - a vontade de ser apanhado. De ser descoberto. Nesse aspecto vale finalmente a pena referir o belíssimo desempenho de Terrence Howard como grande actor secundário, polícia bom no mais discutível sentido da palavra, com que Jodie Foster constrói e estrutura toda a sua relação com o medo, a violência, a nova representação do afecto e, já que falamos dela, a vontade de ser apanhada.
O medo é aqui quase um objecto de tratado, pela forma como as suas várias manifestações vão surgindo ao longo do filme. Sobretudo, repetindo, agrada-me a forma como se deu destaque a uma manifestação do medo sempre tão esquecida, o medo invisível que incorpora tantos e tantos actos, que quase sempre reflectem coragem e segurança, e são mestres em ocultar a sua verdadeira natureza.
DM

Comentários

Barreira Invisível Podcast