Alienação

Acabei por ir ver o Capacete Dourado no passado sábado dia 11 de Agosto, um dia depois de ter escrito o texto sobre ele. Uma coincidência.

A palavra que escolhi para título deste texto sintetiza o espírito que apreendi no filme de Jorge Cramez.

Há algo de alienado em Capacete Dourado que se torna, com o decorrer do tempo, alienante. Aquilo que podia ser uma filme de teenage angst torna-se numa espécie de ensaio sobre um certo autismo colectivo de que só escapa o magnífico Ricardo Pinto, com a sua personagem Rato. O resto é uma mole humana de tipos existenciais, que nunca chegam a ganhar densidade carnal, o que dá ainda mais acuidade à dimensão alienada.

As duas personagens principais contribuem para isto, sobretudo Eduardo Frazão. Se Ana Moreira já se especializou em interpretar fisicamente todos os seus pápeis, conseguindo um olhar de transe, mesmo quando não está a ser dirigida por Teresa Villaverde (que, aliás, faz um cameo interessante no filme), Eduardo Frazão parece interpretar alguém permanentemente fora do mundo. Alguém que sobrevoa o filme.

É verdade que Cramez parece, a dado momento, contribuir para esta visão, em duas cenas: a do duelo motorizado e a da festa na vivenda. Não só pela utilização da música mas por outros recursos estilísticos. Mas também os diálogos vão nesse sentido.

Há uma Vila Real com uma vida oculta, povoada por uma juventude distante e alienada, por uma corpo docente estranho (um magnífico elenco secundário, com alguns dos melhores actores e actrizes portugueses) e por um casal fatídico, cujo fado parece ser algo oculto, que já existe quando o filme começa, que nunca chegaremos a ver, pois o filme acaba, e que pelo meio, de tão forte ser o seu poder, manipula os seus viventes de uma forma tão intensa e total que eles vivem uma outra realidade.

Visto assim o Capacete Dourado é uma história iniciada mas não iniciática, pois não chegamos a penetrar nas personagens, conseguimos apenas entrever o que pode ser o seu mundo, as suas intenções, os seus passados. Falta a Cramez entrar pela vida dentro, substituindo a alienação pelo frémito. Assim, parece-me, ficou em terra de ninguém - algo que é difícil de comunicar, quando se está lá por acaso e não por intenção.
DM

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