John McClane Jr.



Com os filmes é assim: não haverá consensos, nem entre os cúmplices mais próximos. O que, a um irmão, se revelará como obra-prima de tirar o fôlego, ao outro, há-de aparecer como aquilo que um carioca descreveria debaixo da poética expressão “o côcô do cavalo do bandido”. De modo que não vale a pena tentar perscrutar o que nos escapou no título de que toda a gente fala ou catequizar os que profanam com heresias a recordação da nossa película de estimação. Ninguém vai ceder e ainda acaba tudo à bofetada.

Live Free Or Die Hard tem espalhado algumas simpatias por aí. Basta ver as estrelinhas no IMDB, mediana das opiniões dos utilizadores. Entre os amigos cinéfilos do escriba, de igual modo se suspirou de certa satisfação pela nostalgia aconchegada com o quarto dia muito mau na vida de John McClane.

Pessoalmente, dava-lhe um zero, redondinho. E não é porque não goste de cinema de acção; é porque gosto. E também não é porque não simpatize com a saga Die Hard, mas precisamente pelo oposto.

A história conta isto: um mau, muito mau, aloja-se numa espécie de NASA, cheio de computadores e comparsas, incluindo a inevitável gaja boa. Eles controlam tudo. E “tudo” não é uma força de expressão. Têm nas mãos, à distância de um clique, os sinais luminosos das estradas, a electricidade, as comunicações móveis, as estações televisivas, o sistema de defesa norte-americano. Bom, basicamente, eles não mandam com isto tudo logo pelos ares porque são uns porreiros. Do outro lado, sem que saibamos bem porquê, o heróico McClane está condenado a ir dar puxões de orelhas a hackers adolescentes, depois de aturar a filha rebelde que o detesta também ninguém sabe exactamente por que razão (havia de ser filha dos maus, a ordinária, para ver o que é bom). McClane é apanhado no meio da confusão e lá rebola para dentro do plot, com o hacker adolescente agarrado por uma orelha. A partir daqui, começam os tiros, as explosões e as perseguições até ao desfecho final. Até a este ponto, apesar de tudo, ainda se aturaria a coisa: o género é o que é e ninguém espera Shakespeare. Mas habituados que estamos a, por exemplo, Michael Mann, mesmo John Woo, ao próprio John McTiernan, director dos primeiro e terceiro Die Hard, esperamos mais que um filme de acção em que, fundamentalmente, se quer oferecer aos adolescentes a ilusão de que também eles poderiam salvar o mundo, sentados atrás do PC, trancados no quarto forrado de posters de heróis imberbes.

Aqui, impõe-se deixar uma coisa bem clara: se só os adolescentes podem salvar o mundo dos maus, antes deixá-lo entregue aos maus. Por favor. É que era mesmo só o que faltava.

O argumento, assinado por Mark Bomback, pouco mais que um ilustre desconhecido, não arranca uma boa frase, uma piada, repete clichés como “is that your best shot?”, resolve os picos de tensão com insultos e pontapés, põe McClane a safar-se de 90% das situações ao volante de um veículo qualquer, dizendo-nos, basicamente, que uma carta de condução pode valer mais que a Força Aérea e, volta e meia, ainda tenta gabar-se a si mesmo, como quando diz que o mau é mesmo muito mau ou que o plano que acaba de arquitectar é nada menos que brilhante.

Ora, estas coisas são importantes de estar na boca das personagens porque os espectadores podem não perceber. A sério. O caso do vilão, por exemplo, interpretado por outro simpático anónimo (Timothy Olyphant), pede, de facto, explicações adicionais, dado que, por si só, não assustaria a minha sobrinha de três anos (eu não tenho sobrinhas. Era só para ilustrar a situação).

O realizador, Len Wiseman, a quem até hoje só se conhecem os títulos Underworld, nem vai mal. É certo que gasta por cena o número de planos que Oliveira usa num filme inteiro e que mascarou a película, de início a fim, com uma certa irrealidade na cor, na textura, que nos afasta da história, mas não é por aí – como tanto se diz no mais elevado jargão cinéfilo – que o gato vai às filhós. Lá pelo elenco, anda também o excelente Cliff Curtis, este ano em grande destaque depois de óptimas participações em The Fountain, Sunshine ou Fracture, por exemplo. Portanto, também não é tanto no elenco que está o mal. O mal está em ter todo um enredo que só evolui à custa dos maus errarem todos os tiros e McClane acertar sempre à primeira; em querer que o herói da geração que ronda, hoje, os 30 anos, agrade à de 15; e está, sobretudo, no fim, quando tudo soa não a um bom Die Hard, não a um mau Die Hard, mas apenas à froxa imitação de um Die Hard.
AB

[publicado originalmente na revista Atlântico nº 29]

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