Filmes sobre filmes


Era inevitável que, mais cedo ou mais tarde, o cinema se escolhesse a si próprio como o objecto. Vamos fazer um filme sobre nós. Primeiro com graça, como fez Chaplin em 1914 com “The Masquerader”, onde um actor rejeitado destrói por completo o estúdio que dispensara os seus serviços. Ou como fez Buster Keaton em 1928 em “O Homem da Manivela” (“The Cameraman”), onde o “Pamplinas” quer impressionar uma rapariga e a MGM com a sua perícia atrás da câmara. O homem da câmara de filmar também queria ser filmado. Merecia ser filmado. E nunca mais deixou de o ser.
A graça dos primeiros tempos deu lugar ao olhar crítico, muitas vezes cínico, sobre uma arte que se transformou numa indústria. Como, por exemplo, em “Cativos do Mal” (“The Bad and The Beautiful”, 1952), onde Vincente Minneli faz um retrato impiedoso do produtor ambicioso que tudo manipula para chegar ao topo. Jonathan Shields, o protagonista, interpretado por Kirk Douglas, foi aliás classificado como a fusão, maldita, entre David O. Selznick e Orson Welles. Judy Garland, a mulher de Minneli, seria dois anos mais tarde protagonista de outro grande clássico sobre o cinema, “Nasceu uma Estrela”, realizado por George Cukor, o homem que fazia de qualquer mulher uma actriz. Se “A Star is Born” testemunhava a ascensão de uma mulher no “star system” de Holywood, “Sunset Boulevard”, realizado em 1950 por Billy Wilder mostrava, em todo o esplendor de Gloria Swanson, a decadência de um sistema que, apesar de todo o seu glamour, era capaz de destruir impiedosamente quem já não lhe servia.
O argumentista, espécie de carne para canhão na idade dos grandes estúdios, mereceria o protagonismo em “Matar ou Não Matar” (“In a Lonely Place”), de Nicholas Ray, que poderá ver aqui na Esplanada da Cinemateca no dia 28 de Setembro. O estilo é de film noir, com Humphrey Bogart a arrancar a uma das suas melhores e menos reconhecidas interpretações ao lado da mais fatal actriz da época, Gloria Grahame. Por esta altura, já não havia género que escapasse a este “Hollywood in Hollywood”. Mesmo o musical, como o demonstrou o sucesso de “Singin' in the Rain”, de Stanley Donen e Gene Kelly, de 1952.
Do lado de cá do Atlântico, a década seguinte deu-nos duas grandes fitas, ambas no mesmo ano de 1963. Em Itália, Federico Fellini questionou o próprio cinema em “Oito e Meio”, o filme que abre este pequeno ciclo de fim de Verão. Em França, Jean-Luc Godard brincou com o compromisso entre arte e comércio em “O Desprezo”, onde pôs na boca do mestre Fritz Lang a teoria da Nouvelle Vague. Dez anos mais tarde, seria a vez de François Truffaut fazer o seu filme sobre o cinema em “A Noite Americana”, a fita – e a técnica – que deu título ao nosso blogue.
De volta a Hollywood, o tempo dos grande estúdios e das grandes produções tinha chegado ao fim. A decadência foi registada em filmes como “Inserts” (1974), de John Byrum, ou “The Day of the Locust”, de John Schlesinger. Por sua vez, Woody Allen homenageava Fellini e o seu “Otto e Mezzo” em “Stardust Memories” (1980), antes de voltar a recuperar o cinema como fábrica de sonhos em “A Rosa Púrpura do Cairo” (1985), que poderá (re)ver aqui no dia 21 de Setembro.
Falta “Mulholland Drive”, de David Lynch, o filme cronologicamente mais recente deste pequeno ciclo (no dia 14) mas os últimos anos ofereceram muitos e bons filmes sobre os homens por detrás da câmara. Como, por exemplo, “Barton Fink” (1991), dos irmãos Cohen, “O Jogador” (1992), de Robert Altman, “Living in Oblivion” (1995), de Tom DiCillo, ou “Adaptation” (2002), de Spike Jonze.

Comentários

Anónimo disse…
Boas... sou um vosso leitor assíduo e dedicado... e sou daqueles que considera que os € 5,00 (ou € 5,20 ou € 5,40)do bilhete já são bem gastos só pelo privilégio de entrar numa sala de cinema, olhar o ecrã e respirar o pó das cadeiras... mas, de cinema propriamente dito percebo pouco, limito-me a Amá-Lo, de forma incondicional e muito acrítica (eu critico-me por isso, mas não consigo mudar...)... bem, depois de me perder... a verdadeira razão da minha visita: O fantástico, brilhante, lindo, comovente, etc. etc... "NUOVO CINEMA PARADISO" não tinha aqui um cantinho? Desculpem-me se a pergunta for absurda... mas o que eu queria mesmo era dar-vos um abraço... Pedro

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