A minha vida

Como se ajuíza o Bem e o Mal? Como se ajuíza o Bem e o Mal em alguém? De alguém?

Hoje não vamos chegar a respostas, fiquemo-nos com perguntas e meditações.

Em Das Leben der Anderen, escrito e realizado por Florian Henckel von Donnersmarck, há muito por onde exercitar mente e espírito. Eu cinjo-me a dois axiomas: quem é bom pode fazer coisas más; quem é mau pode fazer coisas boas.
Mudará isso a sua natureza? (haverá natureza? pergunta inevitável)

Confesso que o Bem que faz o Mal é dos dois axiomas o que menos me fascina, aspecto que o filme equilibra bem pois encarna-o em Martina Gedeck que, aos meus olhos, tem outros encantos. Daí que peça indulgência pela falta de análise da sua simbologia.

Interessa-me o capitão Wiesler, interpretado pelo fascinante e algo cintriano, Ulrich Mühe. Ao sair da sala de cinema, comentava que Mühe, que desconhecia, não só devia ter experiência de teatro como me fazia lembrar Luís Miguel Cintra. Qualquer coisa. Descubro agora, quando escrevo este texto que Mühe trabalhou repetidamente com Heiner Müller. Deus os abençoe aos dois.

O capitão Wiesler pode ser apenas um homem que se redime. Mas não creio que esteja aí o pulso deste filme. Está na forma como chega à redenção. Está, por outras palavras, em saber se aquele que se redime, já carrega em si, desde sempre (desde quando?) o germén da sua redenção, a sua necessária condição. Ou, pelo contrário, trata-se de uma passagem radical, de um estado a outro. Mesmo que através de um processo gradual?

Em A Vida dos Outros, acompanhamos várias vidas mas nenhuma me parece tão interessante do que do Capitão/Carteiro Wiesler. Isto porque se encarna um homem que é mau, que surge no início do filme, como o professor do Mal, aqui honrosamente representado pela Stasi, a verdade é que ao longo do filme, por duas vezes é apelidade de homem bom. E podemos ainda contar com a discreta e profética associação que se estabelece entre o presente de Jerska e a condição final/romance final de Wiesler/Dreyman.

Por isso, voltemos à redenção: esta não é uma qualquer. É uma redenção que reflecte sobre si mesma, que nos revela a sua história desde o início e para lá do seu fim. Obriga-nos a reflectir sobre o que torna (ou garante) um homem bom. Ou uma mulher má.

Será que Wiesler sempre fora um bom homem, repetidamente praticando o Mal, até que o Bem se insinuou de forma irreversível na sua vida, obrigando-o a praticá-lo? E, repare-se, a praticá-lo: porque depois do seu acto de bondade Wiesler volta para o Sistema Maldito que integrava (se bem que despromovido a desinteressantes tarefas). Na sua vida pós-muro de Berlim não é um homem bom que vemos, é uma sombra arrastando-se (não sem a ironia de estar agora do lado bom das cartas). Ou seja, à excepção da bondade que Wiesler nos oferece no filme dele só sabemos que é bom porque as personagens boas Dreyman e Sieland nos (lhe) dizem. Dreyman di-lo agradecendo as suas boas acções, Sieland também. As acções de Wiesler, tangentes às vidas do casal, fazem dele um homem bom? Mesmo se a restante circunferência que o compõe prossegue o mal? Boas perguntas, creio.

Por enquanto são estas.
DM

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