Ir ali à sala

Vou à rua ao cinema como quem vai ali à sala ver televisão. Com uma ligeira diferença: vou mais ao cinema do que vou à sala.

Não se trata só - embora seja determinante - de ter tido a sorte, ao longo destes anos de vida, de sempre ter por perto salas de cinema. Neste exacto momento em que vos escrevo tenho mais de 10 salas de cinema a 5 minutos a pé. Isto reflecte-se sobre o carácter de uma pessoa. Saio muitas vezes do meu escritório com a mesma roupa, a mesma parafernália e a mesma disposição com que vou até ao frigorífico buscar gelo para o whisky. Só tenho de juntar chaves e um cartão Medeia.

Isto também altera a percepção que se tem do cinema. É um cinema à vontade com o seu espectador e eu com ele. Um cinema sem pressas, normalmente nas primeiras filas para não haver lembrança de gente entre mim e a tela. Só as que lá estão. Isto permite trazer os pensamentos de casa e continuá-los na sala de cinema, sem grandes esforços. Permite tentar iludir o fim de espírito caseiro que vai cessando à medida que abandonamos o lar. Com sorte, continuamos na sala - e mais importante no filme - o espírito que tinhamos conseguido obter em casa, a mesma medida, a mesma contemplação, o mesmo ritmo. Só falta, como já aqui se escreveu, um whisky na mão.
DM

Comentários

Anónimo disse…
Algo me uniu à simplicidade e aconchego dessa descrição...
Anónimo disse…
Está bonito stôr...está bonito...
noite americana disse…
Só é pena é ser anónimo com acento circunflexo. DM
Anónimo disse…
- Todos os que sem nome tentam opinar neste blog são obrigados a ser "anónimos-com-acento-circunflexo"!

A sua (eterna e saudável?!) vontade de escárnio e maldizer fê-lo precipitar-se no caso sub judice, doutor:)
noite americana disse…
Eu estava a queixar-me do sistema...não de si, caro anónimo. Se bem que, querendo assinar, não vejo nada que o impeça. Um abraço. DM
Anónimo disse…
Sem o anonimato o livre pensamento estaria limitado pela "relação hierárquica" que persiste entre ex-aluna e professor.
- E o que vale uma opinião sem liberdade de expressão?!
Enfim...tudo isto para finalmente lhe poder dizer que aprecio, sinceramente o que durante estes anos tem vindo a escrever:)
noite americana disse…
Esqueça a relação hierárquica, que isso faria de nós funcionários públicos e já basta eu acumular duplamente essa função. Quanto muito o temor reverencial de que fala o Professor Oliveira Ascensão. Mas eu não inspiro tanto. Claro que agradeço e, mesmo a coberto do anonimato, espero que continue a gostar do que por aqui se escreve. Um abraço, DM
tartaruga disse…
Que privilégio ter tantas salas de cinema a substituir uma só sala de estar!! Ir ao cinema deveria ser sempre tão prosaico como sentar no sofá com um copo e toda a permeabilidade para observar.

(Ser funcionário público e, ainda por cima, do ministério da educação, assemelha-se-me, por vezes, a uma verdadeira maldição. Não fora não sei bem o quê, já teria mudado. Bem, claro que não)

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