e se todo o mundo é composto de mutantes
Estreias: X-MEN: O INÍCIO
De: Matthew Vaughn
Com: James McAvoy, Michael Fassbender, Kevin Bacon
Comecemos por homenagear o primeiro-ministro cessante, recordando o método utilizado na apresentação do memorando da troika: vamos revelar o que este filme não é. Não é em 3D, não é para adolescentes, não é nenhuma maravilha, mas também não é ruim.
Sim, caro leitor. Por estranho que pareça num filme sobre mutantes, a melhor parte de “X-Men: O Início” é aquela que ignora as mais recentes mutações do cinema: a febre das três dimensões e a hipertrofia de filmes para adolescentes (eles próprios criaturas, como sabemos, em constante mutação). Ora, enquanto James Cameron profetiza que, daqui a dias, todo o cinema e televisão serão feitos em 3D, Matthew Vaughn devolve-nos esse pequeno prazer de assistir a uma fita de grande orçamento sem nos fazer sentir numa concentração de fãs de Stevie Wonder.
A saga dos mutantes chegou ao cinema em 2000. Começou com Bryan Singer, passou por Brett Ratner e acabou com Gavin Hood e o spin-off “Wolverine”. Como de costume em questões dinásticas, a virtude foi-se perdendo e alguém teve de dar o murro na mesa. Singer regressou à produção, Vaughn foi convidado para dirigir e recomeçou-se do zero a partir dum livro que explicava o passado das personagens.
Matthew Vaughn não vinha sozinho. Trazia Jane Goldman, a argumentista habitual, e começou a sonhar-se com um filme de super-heróis inteligente, bem-humorado e destemido. Afinal, subiam a bordo os responsáveis por “Kick-Ass”, o filme-sensação de 2010. O resultado, contudo, não teve o rasgo esperado. A prequela a “X-Men” saiu séria, limpinha e bem-comportada, valores respeitáveis, mas que não deixam marca.
Um guião escorreito e eficaz, mas alimentado por diálogos sem brilho, ocupa-se de ligar as pontas soltas: como se tornou Charles Xavier em Professor X, Erik Lehnsherr em Magneto, por que está X numa cadeira de rodas, por que tem Magneto capacete, por que se respeitam e são rivais, etc. A construção de um passado consistente para esta pequena mitologia é plenamente conseguida enquanto se insiste na metáfora do mutante como criatura não deficiente, mas especial; não diferente, mas extraordinária. Visualmente, Vaughn mantém-se fiel à série, fazendo um filme de super-heróis diurno, onde é mais difícil esconder efeitos e tudo parece mais humano.
Contudo, tal como na “Guerra Das Estrelas” ou “Batman”, “X-Men: O Início” é roubado pelo vilão. O filme que deveria mostrar como Xavier e Lehnsherr se tornaram amigos e rivais é bem melhor quando se detém no futuro Magneto. Primeiro, porque a personagem tem um passado, judeu a quem mataram a mãe, a sangue frio e diante dele; depois, porque Michael Fassbender irradia um angst que reduz James McAvoy a um sobredotado simpático.
Por fim, o fio narrativo que liga as partes também peca por simplismo. É Sebastian Shaw (Kevin Bacon), acompanhado por Emma Frost (animem-se os fanáticos de “Mad Men” e de January Jones), a chave que tudo abre. Também ele mutante, quer destruir o mundo (bocejo) para depois reinar com os da sua espécie. Para tal, alimenta a Guerra Fria, sendo inclusivamente responsável pela Crise dos Mísseis. Entre uma Sala de Guerra vinda de “Dr. Strangelove” e uma caricatura de general russo (Rade Serbedzija, actor croata condenado até ao fim dos seus dias a fazer de russo sempre que é preciso um), tudo nesta trama política é resolvido com demasiada ligeireza.
Em tempo de super-heróis de usar e deitar fora (como os óculos 3D), Vaughn e Jane Goldman fizeram, ainda assim, um trabalho honesto. Os “X-Men” só têm duas dimensões, mas têm as mais importantes: carne e osso. Pena que só um, Magneto, vá deixar cicatrizes.
AB
i, 2011.06.09
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