um super-herói a martelo


Estreias: THOR

De: Kenneth Branagh

Com: Chris Hemsworth, Anthony Hopkins, Natalie Portman

À maneira do horóscopo chinês, o cinema tem longas temporadas de signos. Ora é o ano do alien, ora o do vampiro, o do bruxo, do dinossauro, do além, da catástrofe, do épico, da guerra, do diabo a quatro. Correntemente, vivemos o ano do super-herói. Vêm aí mais um Super-Homem, mais um Batman, mais uns X-Men, um Capitão América e um Lanterna Verde, só para citar de memória. E é interessante notar como funcionam em bando: se o primeiro chega ao destino, os outros avançam; se falha, o resto debanda. Isto é, um herói vai à frente, apalpar o terreno. Se o público enche as salas e a criançada corre a comprar bonecos e jogos de computador, os estúdios atacam com todos os supers que tenham à mão. Se o destemido solitário dá com plateias vazias, os heróis regressam ao Espaço e vai de fazer filmes sobre contactos com os mortos ou outra coisa qualquer.

O actual enxame de heróis mascarados (que ainda se deve ao sucesso da versão “cavaleiro das trevas” do Batman de Christopher Nolan) oferece-nos agora em sacrifício o poderoso Thor, um caso peculiar de super-herói / deus / alien. Mas fá-lo com um twist: sentando Kenneth Branagh na cadeira de realizador.

É verdade que o próprio confessou que, se era Thor que lhe pediam, era Thor que faria, sem desvarios intelectuais. Mas a verdade é que, dum apaixonado por Shakespeare (e não só. Pense-se na “Autópsia De Um Crime”, a partir de Pinter, ou “Frankenstein”, de Mary Shelley), esperava-se que aportasse alguma densidade ao cavalheiro louro, deus do trovão, que tem por super-poder um martelo. O pai de todos os martelos, admitamos, mas, ainda assim, apenas e só um martelo.

E a verdade é que havia algum material dramatúrgico para Branagh trabalhar. Thor é o filho de Odin, senhor dos nove reinos. É o sucessor ao trono, mas discorda da gestão do pai. Por outro lado, tem um irmão com outros planos ainda; um irmão que se há-de revelar não o ser exactamente. Thor vai, depois, cometer um pecado quase mortal e terá de peregrinar até encontrar a redenção, lutando contra a própria família. Shakespeare, afinal, não anda assim tão longe e este casamento inesperado até poderia revelar-se um raro caso de amor perfeito.

No entanto, a única diferença visível entre esta abordagem de Branagh ao mundo dos comics e a de qualquer fazedor de blockbusters da vida, é alguma auto-ironia. Uns rasgos de humor no pano megalómano dos super-heróis. De resto, personagens, conflitos interiores e exteriores, diálogos ou subtexto são tão leves e instrumentais como nos filmes pipoqueiros de um aspirante a Michael Bay. E com as mesmas agravantes: fazer-se à sequela e perder preciosos minutos de roda de uma historieta de amor tão desprovida de chama como de utilidade.

No conteúdo, que era onde Branagh poderia fazer a diferença, não a fez; sobra a forma. Essa vai de acordo com o espírito do tempo: grandiosa e falsa. Já se sabe que os efeitos digitais tornam tudo possível, mas, enquanto continuarem a parecer efeitos, nunca nos levarão a lado algum. Não vemos um planeta fantástico; vemos o desenho de um planeta fantástico. Poderemos admirar a técnica, mas, se os efeitos não nos fizerem esquecer que o que lá está de facto, de volta dos actores, é um grande pano verde, não cumprem o pacto eterno que o cinema celebrou com o espectador: a suspensão temporária da descrença.

Em suma, este “Thor” não aquece nem arrefece, o que para um deus que representa a força da natureza poderá não ser bom sintoma. Kenneth Branagh deverá ter feito aqui um bom plano poupança reforma, mas, entre ser ou não ser, optou, decididamente, pela segunda via.

AB

i, 2011.04.28

Comentários

Sam disse…
Esta crítica mereceu destaque na rubrica «A "Polémica" do Mês» do Keyzer Soze's Place, disponível aqui: http://sozekeyser.blogspot.com/2011/05/polemica-do-mes-2.html

Cumps cinéfilos!

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