olhos nos olhos com o Criador


Estreias: A ÁRVORE DA VIDA

De: Terrence Malick

Com: Jessica Chastain, Brad Pitt, Sean Penn

Posso falar-lhe francamente? Afinal, suponho que já nos conheçamos há algum tempo (se for primeira vez que falamos, perdoe, por favor, o abuso de confiança). Vi “A Árvore Da Vida” há uma semana e ainda aqui está a trabalhar, a crescer cá dentro e isso atrapalha a lucidez, faz as palavras tropeçar. Digo-lhe com sinceridade: pode amar este filme e pode abominá-lo. Não sei como será, sei que será uma experiência extrema e sei também que estaremos de acordo pelo menos numa coisa: você nunca viu um filme assim. Certo. Se lê esta crónica e tenciona ver o filme é provável que seja um malickiano e, se é, o mais certo é que já andasse a pressentir que ele, Terrence Malick, caminhava para aqui, para este questionamento total, sem subterfúgios, que era esta ambição que movia todos os filmes anteriores e que agora, aos 68 anos e com tal estatuto, pode assumir sem receios, indiferente ao que diria a gente de Cannes.

Por esta altura, o leitor já sabe decerto de tudo: que “A Árvore Da Vida” foi recebido na Croisette com estranheza, apupos, assobios e alguns aplausos comedidos. Que muita imprensa internacional o chamou de bizarro, megalómano, coisas assim. E que, no fim, o júri lhe deu a Palma de Ouro. Quem está errado? Possivelmente, ninguém. “A Árvore Da Vida” é estranho e megalómano, sim, é certamente um dos filmes mais ambiciosos de sempre, mas cumpre toda a sua promessa.

E é a partir daqui que as palavras se complicam. Queria contar-lhe tudo, conversar sobre o filme inteiro, mas não devo. Gostaria que tivesse a mesma experiência de espanto primordial diante da tela e, com boa fortuna, partilhá-la com uma plateia como aquela com que partilhei, em absoluto silêncio, nem um ranger de cadeira, só um qualquer coisa de religioso, intangível, a passar.

Façamos assim: passo-lhe apenas a informação mínima. Malick começou a recolher imagens para “A Árvore Da Vida” em 1973: eclipses, paisagens, instantes raros. Foi falando do projecto a colaboradores próximos, começou a trabalhar exclusivamente nele em 2007 e só acabou quatro anos depois. Foram precisos seis editores para acabar a montagem, cientistas e técnicos da NASA para fazer determinadas sequências, até especialistas em efeitos digitais, classe obrigatória nos blockbusters, mas estranha ao cinema dito de autor.

E para que queria Terrence Malick toda esta gente se, alegadamente, “A Árvore Da Vida” seria um filme sobre uma família texana dos anos 50 que perde um filho? A resposta já cai para lá da informação mínima que precisa de levar.

“A Árvore Da Vida” é uma interpelação directa de Malick a Deus. Depois de uma epígrafe inicial onde se cita o Livro de Job – “Onde estavas tu quando lancei as fundações da Terra?” – apresenta-nos o plano de uma chama, talvez a centelha divina original. Depois, partimos para o mundo e para a vida da família O’Brien dividida entre o passado e o futuro de Jack, o filho mais velho, levados em longos solilóquios de diferentes narradores que começam assim: “Há dois caminhos para a vida: o caminho da Natureza e o caminho da Graça”. Sim, Malick não fez a coisa por menos: todos os filmes lidam com um problema; “A Árvore Da Vida” lança-se ao maior de todos: qual o sentido da vida?

Há-de haver tantas opiniões como espectadores. Não sei qual será a sua; por aqui, digo-lhe que este é o melhor filme de sempre de Malick. Belo, obra de arte, glória, são palavras que vêm agora à ideia. A Filosofia, que também se perguntou sempre pelo sentido da vida, definiu-se um dia como “aprender a morrer”. “A Árvore Da Vida” está plantada perto daqui.

AB

i, 2011.05.26

Comentários

Ines Cisneiros disse…
as pessoas deviam ter de ler posts como este antes de entrarem na sala. assim uma especie de preparação. Só o vi ontem e não tive sorte no "absoluto silêncio" da plateia. Principalmente a partir da segunda parte: há algo de simultaneamente engraçado e exasperante no ouvir as pesoas à minha volta confusas a perguntarem umas às outras: "percebeste?", "oh pá, o que é que isto é suposto ser"? E, de um dos meus lados, um senhor ressonava xD.

Provavelmente, quem queria ver Malick, ja viu, e agora as pesoas vão pelos zum-zuns (ou entao tiveram exames :P).

Seja como for, os professores de filosofia andam a falhar: as pessoas perturbam-se com a ausência de respostas do filme, sem se lembrarem que, provavelmente Malick também não as tem (digo eu..), e seria impossível o filme dá-las.

É o problema de se reduzir o cinema a histórias.. quando saí da sala, encontrei uma colega que me perguntou, por entre toda a perturbação: "não percebi nada...tu gostaste? conseguiste perceber qual dos filhos morreu?".

Eu não soube responder a nada.
Anónimo disse…
Inteiramente de acordo, Inês. O filme, acima de tudo, levanta questões. Também oferece algumas hipóteses de resposta, mas não as impõe. Ficamos livres para escolher. Em relação aos filhos, ainda é das questões mais fáceis de responder: foi o do meio. Beijinhos, boa sorte nos exames que faltem e obrigado pelo comentário.

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