Pina Bausch: 1


Estreias: SONHOS DE DANÇA

De: Anne Linsel e Rainer Hoffmann

Com: Pina Bausch, Josephine Ann Endicott, Bénédicte Billet

Pina Bausch morreu em 2009, cinco dias depois de lhe ser diagnosticado um cancro. Algum tempo antes, tinha estado em Lisboa para uma retrospectiva da sua obra. Foi nessa altura que esta nulidade em dança que vos fala teve o privilégio de ver a senhora Bausch dançar e pôde experimentar, como a restante plateia do São Luiz, a opressão e humanidade de “Café Müller”. Pôde concluir, em segredo, que não era preciso perceber nada de dança para ser tocado pela visão de Bausch, porque não é preciso ser erudito para ser tocado pela vida.

Mais tarde, nessa mesma noite, quem se deslocou ao restaurante anexo ao teatro, pôde ver de perto a senhora Bausch, sentir-lhe a presença estranha e apaziguadora, misto de santidade e doença, pés e mãos enormes, desproporcionais, nas extremidades de uma figura crística.

“Sonhos De Dança”, um documentário de meios modestos, capta essa presença que dispensa holofotes e estrutura-se sobre essa relação entre dança e vida. E, assim de repente, não estamos a ver melhor forma de falar sobre dança ou de homenagear Pina Bausch.

O filme de Anne Linsel e Rainer Hoffmann acompanha a montagem de uma nova encenação de “Kontakthof”. Desta feita, em vez de elementos da Tanztheater Wuppertal ou quaisquer bailarinos profissionais, Bausch e duas colaboradoras preparam o espectáculo com um grupo de adolescentes comuns, sem qualquer experiência relevante na dança (alguns confessam que não sabiam sequer quem era Bausch).

Vencendo, a pouco e pouco, resistências e constrangimentos, os miúdos comuns passam dos desejos de afirmação pessoal, das lógicas grupais e das poses decalcadas de estrelas pop, a elementos comprometidos com uma engrenagem e uma linguagem que vão decifrando em fascínio. Entre discussões e ensaios, vamos conhecendo, um a um, esses rapazes e raparigas que são alemães, mas podiam ser aqui do bairro. Descobrimos os embaraços amorosos, os traumas com a perda e a morte, os planos que têm para depois de amanhã. Diferenciamo-los e percebemos como estão a trazer para o espectáculo todas essas histórias. Até ao dia da estreia.

Não ficamos fechados na linguagem que só entendidos em dança compreenderiam. Não repetimos a lenga-lenga da dureza da missão do bailarino. Temos um pé em palco e outro no mundo, que é o que toda a arte deve fazer, sob pena de não servir para nada.

AB

i, 2011.05.12

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