espectador procura thriller para relacionamento sério
Este mês, seria, talvez, mais natural que se escrevesse sobre Pirates Of The Caribbean – At World’s End, mas tenho medo. Da última vez que se rodaram duas sequelas de uma só vez – Matrix Reloaded e Revolutions – deu no que deu. ‘No further questions’. Havia outra saga a bater-se por ter mais público que o Papa, de visita ao Brasil: Spiderman III. Mas a crítica não ocuparia mais que uma linha: Homem-Aranha era mais adulto quando existia só numa revista de banda desenhada. E haveria, por fim, Zodiac, o ansiado regresso de David Fyncher, se a distribuidora simpatizasse com visionamentos de imprensa. Mas não simpatiza. Ok. Vamos ver Fracture, aliás, Ruptura.
Duas notas prévias: um, o critico é 11 dias mais velho que o protagonista Ryan Gosling. Isto, caro leitor, é uma tragédia. Repete aquela fase dramática em que o Benfica já tinha jogadores mais novos que nós. Não é que nos faça sentir velhos; dá-nos é a ver que, enquanto nos desunhávamos a tentar chegar a qualquer lado, houve outros tipos que, muito mais depressa, foram bem mais longe. Hélas. Dois, temos saudades de thrillers, mas de thrillers bons, mesmo. Duma coisinha decente, que nos encoste às cordas, que nos deixe com problemas de coluna de tanto tentar deslindar o mistério; que nos ponha de rastos, porque o thriller é a única situação em que o célebre “quanto mais me bates, mais gosto de ti” é legítimo.
Mas ainda não foi desta. Não é Fracture que nos mata o desconsolo. Porta-se bem, não tem uma resolução óbvia, prende a respiração em algumas sequências, mas termina a avaliação com um “suficiente”, um “satisfaz”. Não mais.
O plot começa com uma perversão com potencial, mas, ao fim de 20 minutos, já colocou a carne toda no assador e tudo o que temos por descobrir é onde raio Crawford (Hopkins) enfiou a arma do crime. É pouco, embora a solução resista protegida até final. De resto, não há qualquer dúvida sobre quem seja o culpado, a vitória dos bons sobre os maus é uma questão de tempo e o argumento jamais se adensa com novos detalhes. A perversão inicial, inscrita na storyline – um homem traído mata a mulher e o detective chamado a investigar o caso é o amante da falecida – é desperdiçada numa personagem pouco mais que inócua.
Gregory Hoblit, o realizador, tem trabalho feito no género, mas só em televisão – Hill Street Blues, NYPD Blue, LA Law – porque em cinema não há mais que Primal Fear para mostrar. Daniel Pyne, um dos argumentistas, vem também com credenciais no policial: Miami Vice (a série) e The Manchurian Candidate. Mas aqui, um e outro não arrancam mais que uma história para um bom episódio televisivo, adaptado ao grande ecrã apenas por esticão.
O elenco cumpre. Gosling é bom, a David Strathaim basta abrir a boca e a Rosamund Pike passear-se pelo set. Mas, depois, há Anthony Hopkins e dele espera-se bem mais que isto: contentar-se com uma personagem com maneirismos e idiossincrasias de Hannibal Lecter, mas sem canibalismo. Pífio, portanto.
Falta dizer que Fracture falha no essencial: na presunção. Um thriller, mais que qualquer outro género, tem de estar à altura das suas intenções, porque todo o seu interesse reside no jogo de forças com a inteligência do espectador. Isto é, um thriller só é bom se for mais inteligente que nós. De modo que nos dá a aparência perfeita, coloca todos os pormenores a bater certo para que só um falhe e o espectador se esfole a tentar encontrá-lo. Fracture não tem isso. Tem um título que não faz sentido, um slogan – se olhares de perto, verás que toda a gente tem um ponto fraco – que não corresponde à chave da história e pormenores recorrentes, como umas irritantes maquinetas onde rolam esferas, sem qualquer relevância para o enigma final.
Enfadonho.
AB
[anteriormente publicado na revista Atlântico nº 27]
Comentários
1) O thriller não é assim tão inteligente;
2) O Anthony Hopkins fez, efectivamente, uma revisão soft do Lecter.
3) A relação entre a personagem do Gosling e a sua "chefe" está muito mal amanhada.