Depp Depths'



Ando a matutar neste texto há algum tempo. Queria tê-lo escrito quando voltei a casa, regressado de ver Os Piratas das Caraíbas, tomo III.

Creio compreender bem os loucos. Aqueles que a certa altura abandonam definitivamente os terrenos conhecidos. Há muita coisa neste mundo (e nem pensemos agora nos outros) a acumular-se nos poros do tempo, congregando-se para nos esquartejar as certezas, os planos, os projectos. Daí que seja fácil, abandonar tudo isso. Inventar novas certezas ausentes de qualquer base consensual, novos planos sem qualquer preocupação realista, projectos para um mundo que mais ninguém vê. Este texto, por exemplo, juro-vos que é sobre o Johnny Depp.

Tinha eu para aí uns 10 anos quando vi os Piratas das Caraíbas pela primeira vez. Orlando, Florida, Disney World, eu e o meu pai. Até hoje penso ter ficado prisioneiro daquele ambiente desde esse dia. Talvez isso mesmo explique que uns cinco anos depois tenha decorado o mapa das Caraíbas, graças a um exemplar fotocopiado em A3 que vinha associado ao jogo Pirates!, comprado num defunto centro comerial de Benfica, para o meu primeiro PC (lembro-me que o jogo tinha uma especialidade que nunca mais esqueci: era simultaneamente um boot disk, ou seja ligava-se o computador já com a disquete na drive e o computador carregava o jogo directamente).

Talvez tenha sido por volta dessa altura - façamos de conta que não existe google nem imdb para confirmar estas coisas e que só temos a memória para nos guiar - que vi os primeiros episódios de 21 Jump Street. Com o Depp mais rebelde de sempre. Nunca mais o veríamos assim. Talvez porque tenha aparecido na sua vida um senhor chamado Tim Burton. Talvez porque Depp estivesse ainda à espera de acontecer, talvez porque as pessoas mudam.

Mudando as pessoas nem sempre se nota isso tanto. Ou nem sempre isso nos afecta tanto. A mim Depp foi-me dizendo cada vez mais. Talvez porque tenha simplesmente envelhecido - e porque não enjeito que a experiência de vida, essa magnífica expressão, traga algo de proveitoso consigo - talvez porque tenha aproveitado melhor as epifanias que na vida vão surgindo.

Se de 21 Jump Street aos primeiros Burtons se poderia atribuir a mudança ao realizador de Eduardo Mãos de Tesoura, para explicar o Depp actual ele próprio avança a explicação: a paternidade.

O tema interessa-me: não sou pai. Mas gostava de ser. Isto, que se reduz a esta simplicidade aqui (d)escrita, traz consigo muitas dificuldades. E Depp usou-as para modelar aquilo que já era: actor. Em os Piratas das Caraíbas temos um actor completo. Mas ainda não fechado. Aliás, espero ansiosamente pelo seu próximo papel para ver até que ponto conseguimos vê-lo numa construção pós-Jack Sparrow. Será um desafio interessante.
DM

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