O Senhor Estranhoamor

Você não me conhece, mas decerto já reparou em mim.
Nos últimos dias nem sequer me tentei esconder.
Tenho algo a dizer.
Eu sou o definitivo.
Nada tema.
Eu não faço nada, não trabalho, por isso posso dedicar-me a si por completo.
A si, em exclusivo.
Eu sou o definitivo.
Eu não sou como certas relações transitórias que você possa por agora ter.
[fazendo questão de não olhar para Doinel]
Esperarei pacientemente que certos laços precários terminem.
Eu posso esperar.
Eu serei para sempre.
[faz menção de se retirar, o que faz em parte virando o corpo, mas diz ainda:]
Estou muito feliz.

[No plano final ficam as árvores a fazer hipotenusas no écran. Antes do plano final, Antoine e Christine dão as mãos e caminham para fora do écran, ao longo das árvores. Antes disso, entrolham-se e dizem qualquer coisa como «este tipo é maluco». Antes disso ainda, há este monólogo por parte de um senhor de gabardine branca toda abotoada. A mim pareceu-me um agente de seguros: seguros de amor Fidelidade, grupo Mundial Confiança. Assustador. Eles sentados no banco, de costas, imóveis, pela primeira e única vez durante o filme. Assustador? O nosso cinismo impede-nos de pensar que poderiam assim estar apenas porque estavam – atentos. Estavam de costas, não lhes vimos as caras, assim como nunca vemos as caras dos carrascos de Goya.]

RB

Comentários

Anónimo disse…
E onde podemos encontrar esta maravilha? (sim porque vi o trailer e fiquei ansioso por vê-lo).
Será que há em DVD?
noite americana disse…
Se viste o trailer que está no dvd, o trailer original de «Baisers Volées», bem te percebo. Eu vi ontem o trailer pela primeira vez, como extra do dvd, e achei-o quase demasiado bom (demasiado por demasiado explicativo).
Existe edição portuguesa em dvd numa caixa com quatro filmes do Truffaut, que se vendia na FNAC.
Depois há sempre as amazon, cd-wow, e tentar a Cineccità ali à av. de Roma.
abraço
Rui

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