O elogio de Elizabeth
Aquela mulher, além, é uma mulher feliz.
Com a sua carrinha BMW, estacionada à porta de uma típica casa suburbana, que não vemos, mas que é típica e perfeita. Com a sua filha, a cumprir o 1,2 filhos estatísticos. Quem é ela?
Chama-se Elizabeth, e é interpretada por Anna Katerina. Talvez não a conheçam como actriz e é quase certo que não se lembram de que filme é esta sua personagem. Em regra não há memória das pessoas felizes.
Elizabeth é a ex-mulher de Nicholas Van Orton, interpretado por um tal de Michael Douglas. Ajuda, não é? Estamos em The Game, de David Fincher, e Elizabeth não aparecerá mais do que 2 minutos em todo o filme. Chamar-lhe personagem secundária é um bondoso eufemismo.
No entanto hoje faço o elogio de Elizabeth, como encarnação de todas as pessoas felizes, de que não fica memória ou registo.
Aqui temos Nicholas Van Orton, um homem de negócios estereotípico, frio, calculista. É o personagem principal que se redime. Aprendemos a gostar dele ao mesmo tempo que ele aprende a viver a vida, a libertar-se dos seus traumas, desculpas para o seu inumano carácter. No fim, estamos com ele, símbolo da humanidade recapturada, o herói possível nestes tempos cínicos.
E Elizabeth? É uma mulher feliz. Divorciou-se de Nicholas para ser feliz. Hoje tem a sua vida suburbana, feliz; novo casamento, feliz; uma filha e está grávida, feliz. Tudo isto o filme mostra e presume, despudoradamente, como se não fosse nada com ele. Como se isso só servisse para tornar Elizabeth a paciente e bondosa ex-mulher, única pessoa em que Nicholas (como o própria afirma a dado momento) pode confiar. E nada mais. Aí se consome o seu papel, secundaríssimo, a raiar o figurante: a bondosa ex-mulher, que sofreu sabe-se lá que agruras, mas que perdoou, e que, por recompensa, é feliz. Não merece um filme sobre ela, claro. O protagonismo é para esse carácter mais complexo, angustiado e sofredor de Nicholas. Um homem que tem tudo, diz-se no princípio do filme, como engodo, apenas para percebermos que não tem tudo, sofre, não é feliz. E todo o filme se torna a procura dessa felicidade, que no fim é anunciada.
E Elizabeth? A sofredora silente e invisível, cuja angústia desconhecemos? Dois minutos de filme, não mais, que a felicidade não convoca grandes sentimentos.
Pois eu, hoje, aqui, revolto-me. E elogio Elizabeth, bem-aventurada mulher, como tantas (e tantos homens), sem história, feliz na sua existência. Pacata na sua existência, de amar um homem, que não a amou; de tentar de novo, amar um outro homem que a ama; de ter filhos; uma casa ampla e acolhedora. Pacata na sua existência de ser feliz. Desinteressante, nos cínicos dias que correm, que se recusam a aceitar essa felicidade, que a julgam podre. Ou, que, rendidos à real felicidade de Elizabeth, se recusam a relatá-la, concedendo-lhe 2 minutos.
Pois eu relembro Elizabeth, uma mulher feliz, sem história, que não rende nas bilheteiras, não faz conversa de café, não merece protagonismo. Elizabeth, hoje, aqui, é a estrela.
DM
Com a sua carrinha BMW, estacionada à porta de uma típica casa suburbana, que não vemos, mas que é típica e perfeita. Com a sua filha, a cumprir o 1,2 filhos estatísticos. Quem é ela?
Chama-se Elizabeth, e é interpretada por Anna Katerina. Talvez não a conheçam como actriz e é quase certo que não se lembram de que filme é esta sua personagem. Em regra não há memória das pessoas felizes.
Elizabeth é a ex-mulher de Nicholas Van Orton, interpretado por um tal de Michael Douglas. Ajuda, não é? Estamos em The Game, de David Fincher, e Elizabeth não aparecerá mais do que 2 minutos em todo o filme. Chamar-lhe personagem secundária é um bondoso eufemismo.
No entanto hoje faço o elogio de Elizabeth, como encarnação de todas as pessoas felizes, de que não fica memória ou registo.
Aqui temos Nicholas Van Orton, um homem de negócios estereotípico, frio, calculista. É o personagem principal que se redime. Aprendemos a gostar dele ao mesmo tempo que ele aprende a viver a vida, a libertar-se dos seus traumas, desculpas para o seu inumano carácter. No fim, estamos com ele, símbolo da humanidade recapturada, o herói possível nestes tempos cínicos.
E Elizabeth? É uma mulher feliz. Divorciou-se de Nicholas para ser feliz. Hoje tem a sua vida suburbana, feliz; novo casamento, feliz; uma filha e está grávida, feliz. Tudo isto o filme mostra e presume, despudoradamente, como se não fosse nada com ele. Como se isso só servisse para tornar Elizabeth a paciente e bondosa ex-mulher, única pessoa em que Nicholas (como o própria afirma a dado momento) pode confiar. E nada mais. Aí se consome o seu papel, secundaríssimo, a raiar o figurante: a bondosa ex-mulher, que sofreu sabe-se lá que agruras, mas que perdoou, e que, por recompensa, é feliz. Não merece um filme sobre ela, claro. O protagonismo é para esse carácter mais complexo, angustiado e sofredor de Nicholas. Um homem que tem tudo, diz-se no princípio do filme, como engodo, apenas para percebermos que não tem tudo, sofre, não é feliz. E todo o filme se torna a procura dessa felicidade, que no fim é anunciada.
E Elizabeth? A sofredora silente e invisível, cuja angústia desconhecemos? Dois minutos de filme, não mais, que a felicidade não convoca grandes sentimentos.
Pois eu, hoje, aqui, revolto-me. E elogio Elizabeth, bem-aventurada mulher, como tantas (e tantos homens), sem história, feliz na sua existência. Pacata na sua existência, de amar um homem, que não a amou; de tentar de novo, amar um outro homem que a ama; de ter filhos; uma casa ampla e acolhedora. Pacata na sua existência de ser feliz. Desinteressante, nos cínicos dias que correm, que se recusam a aceitar essa felicidade, que a julgam podre. Ou, que, rendidos à real felicidade de Elizabeth, se recusam a relatá-la, concedendo-lhe 2 minutos.
Pois eu relembro Elizabeth, uma mulher feliz, sem história, que não rende nas bilheteiras, não faz conversa de café, não merece protagonismo. Elizabeth, hoje, aqui, é a estrela.
DM
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