Brief Notes on Brokeback Mountain

1. Houve um momento em que desejei ser homossexual (e a relevância desse desejo será a chave do filme).

2. O filme de Ang Lee tem um aspecto que me interessa: tenta contar uma história de amor para a qual seríamos insensíveis, no seu registo heterossexual, mas que pode renovar-nos o interesse quando em registo homossexual. Os grandes dramalhões românticos, com histórias semelhantes, às de Brokeback (podíamos regressar até à Dama das Camélias, por exemplo) endureceram-nos o espírito. Hoje fazer uma história de amor em cinema ou acaba num lugar-comum que consumimos com a cara-metade e esquecemos dois dias depois ou tem de ter um twist qualquer tal é a nossa indiferença e limiar de atenção. Precisamos que nos contem a mesma coisa mas queremos ser enganados, queremos poder dizer que havia ali algo de novo, ainda não tratado. Pois bem, em Brokeback Mountain desconstrói-se (tinha prometido que nunca usaria aqui esta palavra) esta construção. Ang Lee conta a mesma história de amor que se contava no princípio dos tempos - o amor impossível, proibido, secreto, alimentado ao longo dos tempos, trágico e eterno - simplesmente, muda a orientação sexual dos amantes. E com isso, olhando o tratamento mediático e as nomeações para os Óscares, conseguiu o que todo o realizador de dramas românticos anda a tentar fazer desde que a época de ouro do romântico secou a nossa capacidade sentimental: contar uma simples história de amor.

3. Verdadeiramente não se trata de uma simples história de amor. E não me estou a referir à subversão da orientação sexual. Ang Lee faz ainda uma outra coisa que me parece interessante. Sobre cada um dos amantes e do seu comportamento típico de amantes, coloca, especificamente um outro simbolismo. Assim, Ennis del Mar, representa o bissexual, o homem que também ama as mulheres mas cujapaixão por Jack impede as vivências, como impede com a mulher e depois com a empregada do bar. É também ele o mais dilacerado pela vergonha social e pela vontade de constituir uma família. Claro isto só ajuda a amplificar o poder do amor e da paixão que Ang Lee quer transmitir: é que mesmo com todas estes sentimentos e pressões, Ennis acaba sempre por ceder aos sentimentos por Jack. Este, por sua vez, simboliza a pulsão e o desejo incontrolada como forma de manifestar o amor. E quando, nesse amor, não pode sublimar essas pulsões, esses desejos, Jack tem sempre de encontrar outras formas de o fazer - México, o marido da amiga da mulher - levando essa obsessão, presume-se, ao desenlace trágico da história.

4. Heath Ledger tem um desempenho brilhante. Aliás, creio que qualquer actor que inventa uma nova forma de expressão facial e vocal merece o reconhecimento do Óscar. Basta pensar em Brando no Padrinho ou em Hanks em Forrest Gump.

5. Apesar de tudo isto, por vezes, o filme parece-me lento. Creio que era propositado, talvez Ang Lee a querer-nos fazer meditar sobre a situação do casal, talvez Ang Lee a dar-nos tempo para percebermos os contornos emocionais de cada novo momento do casal.

6. A pergunta que muitas vezes me fiz durante o filme e durante as horas seguintes até me ter decidido a escrever estas (not so) Brief Notes foi esta: se Brokeback Mountain contasse a história de dois amantes heterossexuais teria o mesmo interesse? Por tudo o que disse a resposta terá de ser negativa mas isso não faz de Brokeback um filme oportunista da temática homossexual. Não foi apenas um mero expediente para poder contar uma história de amor que de outro modo acharíamos soporífera. Desde logo porque tenho dúvidas que realmente a achassemos soporífera: mesmo no registo heterossexual têm sido raros os exemplos recentes de uma ode longa, história trágica de duas vidas, destruídas e destruindo-se, em nome de um amor. Mas mesmo admitindo que teríamos por Brokeback menos interesse e gosto há outras questões que a mudança para uma registo homossexual permitiram tratar: o estereótipo do macho forte na América profunda, o male bonding revisitado.

7. Quando saí do filme achava-o longo e um pouco cansativo. Ao fim da noite os momentos que me tinham tocado mais voltaram a organizar-se no meu espírito. Agora acho o que aqui escrevo. Creio que em breve terei novas visões. De Brokeback Mountain posso garantir grandes desilusões (sobretudo devido às altas expectativas do hype mediático); mas creio que também serão prováveis boas redenções (no conforto e recato das nossas consciências).

DM

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