a pipoca mais inglória


Estreias: MANHÃS GLORIOSAS

De: Roger Michell

Com: Rachel McAdams, Harrison Ford, Diane Keaton

Há que começar por uma confissão: o crítico viu este filme de balde de pipocas ao colo, gentilmente ofertadas pela distribuidora. Não lhe acontecia há para cima duns dez anos e… bom… gostou. Na verdade, as pipocas vão bem com “Manhãs Gloriosas”; “Manhãs Gloriosas” é que não vai assim tão bem com as pipocas e isso é um pouco embaraçoso. Milhões de dólares empenhados num filme e, no fim, satisfaz menos que um balde de milho.

A qualidade de uma obra pode medir-se entre aquilo que aspira a ser e aquilo que consegue realmente ser. Muitos falham clamorosamente por ambicionar de mais, mas o caso de “Manhãs Gloriosas” é pior: é que nem aspira a grande coisa, quer ser apenas uma comédia para amantes de pipocas e famílias em estado de fim-de-semana, e nem isso consegue.

Rachel McAdams, actriz que prometeu qualquer coisa em “Red Eye” ou “Ligações Perigosas”, mas que, bem vistas as coisas, se tem passeado por comédias irrelevantes (“Os Fura-Casamentos”) ou dramas insossos (“A Mulher Do Viajante No Tempo”), é a personagem que faz girar a roda previsível de “Manhãs Gloriosas”. Ela, Becky Fuller, é uma produtora desempregada que se entrega ao primeiro lugar que aparece: o de directora de produção de “Daybreak”, um programa das manhãs que há anos se eterniza nos confins do quarto lugar das audiências televisivas. É uma causa perdida: dezenas de pessoas passaram pelo lugar e foram corridas, os apresentadores odeiam-se, não há dinheiro, a equipa está desmotivada, nem os puxadores das portas funcionam.

Evidentemente, Becky vai virar aquilo do avesso. Ninguém espera surpresas de filmes como “Manhãs Gloriosas” – nem um crítico armado de pipocas. O que se espera é que Becky consiga fazê-lo de modo convincente, trazendo ideias novas, criando verdadeira empatia e motivação, correndo riscos de modo verosímil. Ela é a miúda cheia de ilusões num antro de carcaças cínicas. O seu desafio, o que o público espera dela, é que os transforme num bando de miúdos no primeiro dia de férias. É o que se espera de qualquer filme. Que mostre o impossível e ainda assim nos deixe a pensar: “Isto poderia acontecer exactamente assim”.

Não é o caso.

Num desfile de personagens e situações estereotipadas, servida por actores sem química e por um texto que prepara o público para uma grande piada e lhe dá apenas uma razoável, para um golpe de génio e lhe serve somente uma ideia morna, “Manhãs Gloriosas” vai perdendo, a cada cena, 10% da nossa atenção. A jovem Becky Fuller devolde “Daybreak” ao sucesso graças a momentos embaraçosos que seriam o furor da semana no YouTube antes de cair no esquecimento total. Ganha o amor de uma apresentadora vendida como criatura impossível (Diane Keaton) pelo simples facto de a autorizar a fazer figura de urso – e isto é praticamente literal. E ainda salva a vida a Mike Pomeroy (Harrison Ford), outrora um dos mais respeitados repórteres americanos, transformado em apresentador do popularucho programa da manhã a troco de uma ameaça de rescisão de contrato. E este passo, pura e simplesmente, não tem explicação: Pomeroy, descrito como a terceira pior pessoa do mundo, redime-se num passe de magia e entrega-se de corpo e alma ao programa ao perceber-se que Betty está de saída para outro canal. Dado que ele não está sexual ou afectivamente interessado nela, sai-se da sala perguntando um grande, bocejante, “so what?”. E então?

De resto, há uma semelhança inquietante entre Ford e a personagem. Tal como Mike Pomeroy, ele é a estrela reputadíssima que parece ter ido parar a “Manhãs Gloriosas” por mera obrigação contratual. E isso não há pipoca que redima.

AB

i, 2011.03.24

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