o amigo precisa de monstros

O SÍTIO DAS COISAS SELVAGENS

De: Spike Jonze

Com: Max Records, Catherine Keener, Mark Ruffalo

O leitor desconfie sempre de filmes que lhe são apresentados por um só aspecto específico. Isto é, fulano diz que já viu o filme “x”, você pergunta-lhe se é bom e tudo o que ouve é: “Tem uma fotografia lindíssima.” Hum… Fotografia. Ou (esta é muito comum nos filmes de época): “O guarda-roupa é extraordinário.” Neste caso, não desconfie só do filme; desconfie sobretudo da pessoa. Ou ainda: “O filme ‘x’ é muito bom. ‘Y’ está fabulosa.”. “Y”, em geral, deve substituir-se por Meryl Streep. E Streep, como sabemos, está sempre fabulosa, logo não constitui argumento para aquilatar da qualidade dum filme. Se entrasse em “Lua Nova”, “Lua Nova” continuaria a ser lixo.

Posto este prólogo, pergunta o leitor: “Então, e que tal ‘O Sítio Das Coisas Selvagens’?”, ao que respondemos: “A banda sonora é boa”.

E a crítica terminaria por aqui, não faltassem 2653 caracteres para o fim da página e o crítico não tivesse amor ao emprego.

“O Sítio Das Coisas Selvagens” é a primeira grande desilusão do ano. E é uma pena porque não faltará gente a querer gostar dele: os fãs de Spike Jonze, de James Gandolfini, do livro original e uma quanta criançada e progenitura amante de fantasia.

A história é simples: Max, um miúdo de nove anos, vai para a cama sem jantar, depois de, entre outras coisas, tentar por força que a mãe ignore o namorado e lhe dê o exclusivo da atenção. A mãe é Catherine Keener, o namorado Mark Ruffalo e o miúdo Max Records (que vimos no excelente “Os Irmãos Bloom”, curiosamente no papel de jovem Ruffalo). Revoltado e sozinho, embarca numa aventura imaginária que o leva a uma ilha habitada por monstros aparentemente assustadores, mas que depressa se revelam inofensivos, solitários e deprimidos. Max vai tornar-se rei da tribo e expiar a frustração do mundo real num lugar onde pode fazer tudo quanto quer. Até ao desfecho previsível em que, com mais ou menos palavras, se diz que, se tudo fosse feito à medida dos nossos caprichos, as coisas não correriam bem e que onde realmente somos felizes é nesse aborrecido mundo real de regras e mães cheias de amor para dar.

O problema é que esta história contada originalmente por Maurice Sendak em muito poucas páginas foi adaptada para longa-metragem segundo um velho método carteirista: o esticão. Jonze, na primeira experiência como argumentista de longas, e o escritor Dave Eggers, outro guionista inexperiente que releremos no próximo Sam Mendes, constroem uma narrativa onde pouco ou nada está em jogo, acontece ou surpreende. Se o primeiro acto é promissor, a partir do momento em que Max chega à ilha (no fundo, o verdadeiro começo do filme), o que há a dizer caberia numa curta-metragem ou num videoclip – afinal, as especialidades de Jonze.

Visualmente, há méritos. A ficha técnica referente à equipa de efeitos especiais tem, possivelmente, mais palavras que o argumento, mas o resultado final é autêntico e não mais uma aventura digital exibicionista. Os bonecos, que a princípio lembram apenas uma “Árvore dos Patafúrdios” com dinheiro, têm vozes de grandes actores (Gandolfini, Forest Whitaker, Chris Cooper, etc) e um aspecto artesanal, de bonecos de trapos, que remete para uma ideia colectiva da infância e dá planos insólitos e bonitos. Mas não assustam nem comovem, que eram as duas únicas coisas que deveriam fazer.

Com “O Sítio Das Coisas Selvagens”, Jonze confirma aquilo de que todos desconfiavam: que o verdadeiro autor de “Queres Ser John Malkovich?” e “Inadaptado” era o argumentista Charlie Kaufman. Resta-lhe agradecer à ex-namorada Karen Orzolek a bela banda sonora.

AB

i, 2010.01.07

Comentários

Absolutamente touché!

É uma versão despropositada de um clássico infantil que num cumpre nenhum dos propósitos da obra original. E que não oferece nada distinto para compensar.

Apesar do aspecto técnico não há nada palpável a que se agarrar. Da sala saiu-se com fome de cinema.

cumprimentos

Miguel Lourenço Pereira
Anónimo disse…
Fome. Absolutamente. Um tipo vai à espera duma jantarada e dão-lhe um lanchinho. Cumprimentos e obrigado.
Viva,

Mais do que a jantarada, como escrevi, deparamo-nos com um desses restaurantes a la carte onde o prato é um fiozinho de alface. Para isso mais vale mesmo uma sandes.

cumprimentos e parabens
Viva,

Mais do que a jantarada, como escrevi, deparamo-nos com um desses restaurantes a la carte onde o prato é um fiozinho de alface. Para isso mais vale mesmo uma sandes.

cumprimentos e parabens

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