afinal, todos queremos ir para o céu


NAS NUVENS

De: Jason Reitman

Com: George Clooney, Vera Farmiga, Anna Kendrick

A maioria de nós vê o cinema como uma coisa grupal. É programa de domingo à tarde ou sexta à noite, para ir com a família, os amigos, em casal. Mas, ao fim de tantos anos, chegou finalmente o filme que vai vingar a raríssima espécie do espectador solitário: no fim de “Nas Nuvens”, o espectador anti-social não só não se sentirá mal diante dos casais enamorados e grupos galhofeiros, como se achará um degrau acima na evolução.

Quase todo o cinema conta histórias de amor. Se não entre homem e mulher (e demais declinações românticas), entre pais e filhos, irmãos, povos, por aí afora. Fundamentalmente, de um modo ou de outro, qualquer narrativa tenta ultrapassar o drama da solidão humana e redimi-la na ideia de que ninguém está só, que somos mais felizes com alguém e que a felicidade só é possível nessa comunhão.

“Nas Nuvens” não. “Nas Nuvens” fala do homem que, tal como todos os outros, quer chegar a casa e ser entendido entre os seus. Só que “os seus” não são a família ou os amigos ou a mulher ideal. E “a casa” não é o sítio para onde se volta todos os dias. A família, a casa, transformam-nos num todo que não somos nós, uma amálgama que aniquila a coisa inconfundível que somos. Ryan Bingham, aliás, George Clooney na melhor forma de sempre, é o messias do individualismo e esse individualismo, pela primeira vez, não soa mal, não é o egoísmo nem a misantropia. É a realidade. Afinal, se já todos concluímos que nada é para sempre, por que é que continuamos a tentar? E por que é que parecemos tão surpreendidos quando acaba?

Ryan é a maior vedeta de uma empresa subcontratada por outras para fazer o trabalho sujo dos despedimentos. Da situação constrangedora de ser um desconhecido a despedir pessoas do emprego de vinte anos, transforma-se no líder motivacional para o despertar para uma nova vida. Proferindo conferências pelo país, reflecte sobre quanto pesa tudo o que levamos atrás de nós – pessoas, recordações, objectos – e sobre que vantagem terá isso em relação à liberdade de viajar leve, sem amarras.

E a verdade é que é o maior praticante da sua própria fé. Passando 322 dias por ano a voar, percorrendo os Estados Unidos para despedimentos em massa ou palestras de motivação, Ryan não poderia pertencer menos à Omaha natal. A dado momento, durante um voo, perguntam-lhe de onde é. E ele responde: daqui. Ele é da companhia aérea que sempre lhe foi fiel, das cadeias de hotéis e dos grupos de aluguer de carros, de todas as mordomias a que tem direito por ser passageiro, hóspede e cliente frequente. A casa dele não é o lugar onde nunca está, mas o hotel que lhe dá exactamente aquilo que quer e precisa onde quer que esteja. O seu b.i. é o cartão de crédito; o sonho não é ter filhos, mas atingir a mítica marca dos 10 milhões de milhas voadas.

Há muito a dizer sobre “Nas Nuvens” e pouco espaço. Por isso, apressemo-nos: Clooney e Vera Farmiga, no papel de alma-gémea do individualismo, farão o par mais brilhante dos últimos anos. O filme resvala para o momento em que pensamos que se vai render. Mas o diabo que jure se não é deliberado porque, logo de seguida, arrepia caminho, em vez de se atraiçoar, como tantas vezes acontece.

É o terceiro filme de Jason Reitman, depois de “Obrigado Por Fumar” e “Juno”. Aos 32 anos e com este ritmo, deixa-nos ansiosos pelo que estará para vir. O romance original de Walter Kim deve ser bom, mas o que Jason consegue é um filme brilhantemente escrito, frequentemente hilariante, elegantemente cínico. Não é perfeito, mas quase. Leva cinco estrelas, mesmo – sobretudo – se ficarmos sozinhos na opinião.

AB

i, 2010.01.21

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