A history of violence (IX) - what violence?
Aspecto interessante de A history of violence é a manipulação da violência entre personagens e espectadores. Cronenberg consegue estabelecer uma relação ansiosa entre a violência do ecrã e a violência sentida. Na primeira hora do filme, embora pouca violência física vejamos, nem por isso conseguimos deixar de sentir um incómodo, uma tensão. Este sentimento advem do domínio do tempo, do ritmo, do que o espectador sabe e não sabe. Cronenberg está só a brincar connosco, está a sacudir-nos o corpo, mas ao contrário, comprimindo-se, enrijecendo-o. Está a despertar-nos a mente. Está a deixar-nos, à Hitchcock, não tanto em busca do whodunnit mas em busca do whatshappenin. E, em boa verdade, na primeira parte do filme, Cronenberg só põe a mesa: lá apresenta os suaves vilões (com a primeira cena violenta do filme) para se demorar, depois, na cidadezinha, na família, no filho. Tudo muito plácido, mesmo quando há sexo, mesmo quando há ameaças. Porque tudo terá, depois das primeiras mortes e do início da violência explícita, o seu evil twin: os vilões, afinal, são meninas, comparados com tudo o que nunca vemos, mas percebemos, dos homens que vêm buscar Tom Stall; a cena, no locker room, entre Jack e Bobby contribui para a tensão mas evita a violência física, bem diferente do tratamento que Jack dará a Bobby da segunda vez que se confrontam; a primeira conversa no hospital, cena que marca as duas metades que estou tentando demonstrar neste texto, é de uma tranquilidade que já não vamos encontrar da segunda vez que o casal se reune no hospital, culminando com Edie a abandonar o quarto de Tom; e mesmo a cena de adolescência serôdia, engraçada e terna, nada é comparada com...must I say it?, a cena das escadas. Em A history of violence há sempre um regresso às situações para aí colocar a violência. Se não o era será, se já o era será mais. A partir do momento em que Tom sai do hospital como herói a violência física toma conta do ecrã e de nós: onde só existia tensão e o suspense de uma violência psicológica, em boa parte auto-infligida pelos espectadores que antecipavam a violência prometida por Cronenberg, pelo título, pela cena inicial (repare-se na sua lentidão e quase decoro) passa a existir toda e mais alguma violência bem para lá do que tinhamos imaginado. Tão mais para lá que encontra o seu clímax numa cena operática, muito difícil de antecipar. Aí estamos já nos antípoda da violência psicológica inicial, personagens e espectadores comungam da mesma violência, uma furiosa violência física, nem por isso menos fria (da parte de Tom/Joey), que destrói tudo à sua passagem. Mas a violência psicológica regressa, em grande, com um paradoxo, um desafio, um enigma. A última cena, apetece escrever a última ceia, é de novo calma, de novo tensa, parece que regressámos ao início formal do filme e sentimos o paradoxo tombar sobre nós: Joey termina a sua senda de violência para poder recuperar a paz. O desafio é esse mesmo: poderá consegui-lo. O enigma é também esse: nunca o saberemos. Mas deixemos a cena final para texto autónomo, pois é bem mais rica do que estas linhas.
Esta oscilação de violências, à vez psicológicas e físicas, à vez sobre nós e a personagens tem um efeito, tipicamente artístico, tipicamente cronengberguiano: acabamos a partilhar todos a violência, por todas as formas e meios e, evidentemente, não tendo experiências semelhantes a Joey/Tom não podemos deixar de nos confrontar com o que nas nossas vidas seria a nossa history of violence.
DM
Esta oscilação de violências, à vez psicológicas e físicas, à vez sobre nós e a personagens tem um efeito, tipicamente artístico, tipicamente cronengberguiano: acabamos a partilhar todos a violência, por todas as formas e meios e, evidentemente, não tendo experiências semelhantes a Joey/Tom não podemos deixar de nos confrontar com o que nas nossas vidas seria a nossa history of violence.
DM
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