De Mrs Vitoriano a Natalie Portman

Tinha eu uns 10 anos quando a minha professora de inglês, a britânica Mrs Vitoriano, robusta senhora de Olhão, nos mandou fazer um scrapbook sobre os feriados e dias festivos na Grã-Bretanha. Metido no Instituto Britânico, na fleumática rua de S.Marçal, e seguindo uma ordem cronológica de investigação, lá cheguei ao 5th of November, Guy Fawkes Night, com a sua bonfire e tentativa de explodir com o Parlamento. Desde esse trabalho não mais me esqueci do pobre Guy (que a língua inglesa imortalizaria de forma tão absoluta que até permite a referência a ambos os sexos) mas, em boa verdade, nunca mais pensei nele. Até que, já com uns 18 anos, em conversas com L.S., o meu consultor pessoal para comics, a referência repetida a Alan Moore me levou a procurar livros seus e a descobrir V for Vendetta. Li-o num ápice , relembrei o meu scrapbook e matutei sobre o ambiente político a que V se opunha. E, novamente, esqueci scrapbooks e Vendettas. Até que este ano um assistente de realização dos irmãos Wachowski, James McTeigue, resolveu pegar na adaptação do livro de Moore e fazer um filme. Que os irmãos Wachowski gostam de banda desenhada e graphic novels já se sabia e terem tido, a princípio a ajuda do próprio Alan Moore também ajuda, mas McTeigue é uma surpresa. A realização não desmerece e, sinceramente, é o que menos me interessa no filme. Estou muito mais preocupado, por exemplo, com a razão que levou Moore a zangar-se e a pedir para nem sequer ter o nome associado ao filme. Moore (cujo aspecto merece ser conhecido, cliquem no link, por favor), em resultado das parvoíces do produtor de V for Vendetta, aproveitou para se desvincular da Wildstorm/DC/Warner. Suspeito que, apesar de tudo, ficam eles mais a perder do que Moore.
Mas se Hugo Weaving passa o seu desempenho através de uma máscara já Natalie Portman revela-se em variados esplendores, confirmando que there's something about this girl... E é ela que cataliza as grandes questões do filme. Para um interessado em ciência política ou, simplesmente, na história da democracia e seus inimigos, os diálogos provocados por Portman, entre a sua personagem, Evie, e V, são o melhor do filme.
A aceitação da violência, como forma de luta; o terrorismo de causas contra o terrorismo de Estado, o heroísmo e o martírio, a propaganda e o domínio das massas. Todo o filme se torna uma alegoria para as conversas (políticas) dos dois personagens. Mesmo se o filme não explora tanto essa dimensão quanto a obra original de Moore, cáustica como só ele sabe fazer.
DM

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