do they know it's oscars at all?
Num inesperado golpe de uma arte rival, o serão que a NOITE AMERICANA vinha planeando há meses e que consistia num acompanhamento live on post da 78ª cerimónia de entrega dos Óscares não chegou a consumar-se. Já estavam terminais informáticos preparados, casas hipotecadas para pagar a encomenda dos stocks completos de Bohemias e Abadias do Pingo Doce da Avenida de Paris, toda uma imensa sala de estar decorada com réplicas das estatuetas, com os rostos personalizados segundo as feições de cada um destes vossos amigos, em tamanho real, quando o inesperado teve lugar. Culpem a vida real, a sociedade capitalista, enfim, aquela manobra traiçoeira do que podemos designar como "trabalho", "emprego" ou "garantia de uma vida que não envergonhe as nossas famílias" e esse momento fatal, ocorrido ao início da tarde de domingo, quando demos por nós e, num instante de epifania, compreendemos que a coisa terminaria algures entre as 4h30 e as 5h da manhã, isto é, duas, três horitas antes da malta ser coagida pela consciência a pular de debaixo do edredon e fazer-se à vidinha.
Tudo cancelado. Por uma vez irrepetível, a realidade ganhava à magia e, no fundo, como o Domingos chegou a sugerir, podíamos sempre adiar o acontecimento...
A história, no entanto, não termina por aqui. Pelo menos, no caso pessoal do abaixo-assinado. Instado por forças superiores a mudar de vida, AB devia abraçar um novo projecto laboral na passada manhã e saltitar em direcção ao duche às sete da madrugada. Vítima de ansiedade e insónias, acabou por se resignar à tragédia e aceitar o hara-kiri diante do televisor, esparramado no sofá, sobrevivendo aos diligentes comentários nacionais à transmissão directa da cerimónia, acrescidos da habitual sova aos microfones de serviço.
Mas valeu. Veio dali uma noite de Óscares cool como há muito não se via. Pouco grandiosa, sem discursos iluminados, é certo; com meia-dúzia de injustiças, mas coerente com um ano carente de películas "para sempre". Adulta, bem-humorada, com um óptimo Jon Stewart, um omnipresente George Clooney e belíssimos clips, tanto na modalidade satírica como na épica. Salma Hayek a fazer-nos desejar anularmo-nos até ser a mera sombra do microfone diante de si, a grande surpresa de Crash e a quase-confirmação de que uma nova geração tomou as rédeas de Hollywood (garanto que a parte das rédeas não é nenhuma piadola à cowboyagem de Brokeback).
E pronto. Porque, malgré tout, uma necessidade de sacralização dos heróis do cinema persiste, aceitam-se ainda os sacrifícios da normalidade do dia seguinte.
AB
Tudo cancelado. Por uma vez irrepetível, a realidade ganhava à magia e, no fundo, como o Domingos chegou a sugerir, podíamos sempre adiar o acontecimento...
A história, no entanto, não termina por aqui. Pelo menos, no caso pessoal do abaixo-assinado. Instado por forças superiores a mudar de vida, AB devia abraçar um novo projecto laboral na passada manhã e saltitar em direcção ao duche às sete da madrugada. Vítima de ansiedade e insónias, acabou por se resignar à tragédia e aceitar o hara-kiri diante do televisor, esparramado no sofá, sobrevivendo aos diligentes comentários nacionais à transmissão directa da cerimónia, acrescidos da habitual sova aos microfones de serviço.
Mas valeu. Veio dali uma noite de Óscares cool como há muito não se via. Pouco grandiosa, sem discursos iluminados, é certo; com meia-dúzia de injustiças, mas coerente com um ano carente de películas "para sempre". Adulta, bem-humorada, com um óptimo Jon Stewart, um omnipresente George Clooney e belíssimos clips, tanto na modalidade satírica como na épica. Salma Hayek a fazer-nos desejar anularmo-nos até ser a mera sombra do microfone diante de si, a grande surpresa de Crash e a quase-confirmação de que uma nova geração tomou as rédeas de Hollywood (garanto que a parte das rédeas não é nenhuma piadola à cowboyagem de Brokeback).
E pronto. Porque, malgré tout, uma necessidade de sacralização dos heróis do cinema persiste, aceitam-se ainda os sacrifícios da normalidade do dia seguinte.
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