A history of violence (XI) - A última cena

Aqui forma é conteúdo. Há um rigor formal na última cena de A history of violence que, não só ajuda a delimitar melhor a sequência operática que a antecede, como a torna, em si mesma, de uma profundidade emocional enervante. Há uma família à mesa - uma mulher, um adolescente, uma menina pequena - há um homem que regressa ao lar, temeroso, lentamente. Os ruídos da chegada comunicam-se em expectativa, os gestos apuram-se e tornam-se mais importantes, desaceleram. Há um lar, um centro, um ônfalo. E há alguém que pretende regressar a esse lar, a esse centro. Principiar, de novo. Redefinir o seu aspaço. Não o sabemos como fará, se o fará. Regressa, simplesmente. Pretende ocupar o centro da sua vida, recém reclamada e garantida. Mas há a dúvida. Poderá a família recebê-lo? Apetece lembrar Ulisses, pagão, mais do que Jesus. Mas há religião na última cena: a família parece estar a dar graças no momento em que Tom entra na cozinha. Essa solenidade não é quebrada, mantém-se o peso do momento, que suspeitamos explicado pela history of violence de Tom, agora finalmente evidente para nós espectadores, mas também intuída pela família. E se há um importante sinal de que Tom tem uma hipótese - o lugar que lhe é destinado e o prato que recebe do anjo louro, a sua filha - Cronenberg não nos deixa perceber se essa hipótese se concretizará. Não é importante nem é o tema do filme. A history of violence de Tom já é de nós bem conhecida e está, por fim, resolvida. O que lhe resta é conseguir perpetuar a sua history of peacefulness. No entanto, peacefulness é o que menos há no regresso a casa, existindo apenas em aparência. A tensão que se sente oferece dois caminhos, converter-se em verdadeira tranquilidade, oferecendo-se em redenção, ou explodir, impedindo que Tom possa escapar à revelação da sua history of violence. Mas isso, repito, já não é importante. Por esse momento já Cronenberg nos lançou, juntamente com Tom, ao desafio de aceitar o acolhimento possível, confrontar com a verdade o que ama e ver o que acontece. Mas isso é lá entre eles. O filme acaba e nós voltamos a estar só(s) connosco. E os outros.
DM

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