A history of violence (VI) - O direito ao esquecimento

Os autores frances que estudam os assuntos do direito à intimidade referem por vezes o droit à l'oublie para explicar os fenómenos de normalização de uma esfera de intimidade que havia sido comprimida por actos próprios do sujeito, nomeadamente, publicitando a sua intimidade. Para isso, afirmam, é preciso que passe um razoável período de tempo e que assumam a sua esfera de intimidade de uma forma comum à do cidadão médio, esse magnífico conceito.

A dado momento de A history of violence parece-me que esta deveria ser a questão central do filme. Este direito ao esquecimento que Tom Stall reclama e que leva até às últimas consequências, na disposição de garanti-lo. Há evidentemente um paradoxo (um paradoxo, repare-se, não uma contradição) em tudo isto: Tom Stall garante o seu direito ao esquecimento (de Joey Cusack) ressuscitando Joey (entretanto morto no deserto, se bem se recordam) e com isso voltando a ser e praticar aquilo que durante vinte anos não foi e não praticou. O paradoxo, aqui em vez de contradição, explica-se porque nunca Tom Stall, mesmo quando encarnando Joey Cusack (se é que alguma vez o chega a fazer, questão para outro texto) comete um assassínio. Mata, é certo, mas sempre em legítima defesa. Mesmo matando muito.

Apesar de moralmente desafiante, Tom Stall parece continuar a merecer, ainda assim, o seu direito ao esquecimento. Vinte anos, uma mulher (que ama: também lá chegaremos), dois filhos e uma integração pacífica numa comunidade devem ser suficientes para fazer esquecer a sua history of violence. Mesmo se ela se renova e perpetua, justamente, para assegurar a sua desejada history of peacefulness.

Parece ser isso mesmo que está por resolver quando Tom regressa a casa e, em silêncio, se senta à mesa, tranquila, embora tensa: terá ou não direito ao esquecimento?
DM

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