willem dafoe - depois de cristo, o anticristo


Há um grande disco de Lou Reed chamado “Raven” em que, a dado momento, a música cessa e fica apenas um ligeiro ambiente sonoro. Depois, entra uma voz grave, sussurrada. Lê uma variação do célebre poema de Poe e o tempo parece que arrefece. A casa fica tomada por um súbito assombramento e não conseguimos fazer mais nada senão ouvir até ao fim. A voz é de Willem Dafoe e é um grande actor. Tão grande que eclipsa um disco, arrefece uma casa. Mas, como qualquer grande actor (embora num grau grave), a sua presença não garante grandes filmes.

Dafoe já tinha trabalhado com Von Trier – não pode por isso dizer que não sabia ao que ia. Em “Anticristo”, é um terapeuta casado com Charlotte Gainsbourg. Uma noite, enquanto têm sexo, o filho bebé cai de uma janela e morre. Durante o resto do filme, ele terá de lidar não só com a perda do filho e o remorso, mas, sobretudo, com a mulher. Primeiro, tentando tratá-la como se duma paciente se tratasse; depois, fugindo-lhe quando ela se transforma no demónio e o tortura de toda a forma e feitio, incluindo perfurar-lhe uma perna enquanto está inconsciente e aparafusar-lhe um peso aparentado a uma bigorna. O filme é absurdo e grotesco, mas Dafoe sobrevive – metafórica e literalmente. Por que aceitou fazê-lo, só ele saberá. Mas, como já lá vão mais de 20 anos desde que fez de Cristo no filme de Scorsese, talvez tivesse saudades de sofrer.

AB

i, 2010.01.26

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