a vida explicada pelos coen aos seus apóstolos


UM HOMEM SÉRIO

De: Joel e Ethan Coen

Com: Michael Stuhlbarg, Richard Kind, Sari Lennick


Eternamente preocupada com as audiências da cerimónia dos Óscares, a Academia decidiu, este ano, em vez dos cinco habituais, nomear dez candidatos a melhor filme. Além de se arriscar fortemente a estender ainda mais a emissão, é muitíssimo discutível que a inovação tenha capacidade de aumentar o interesse da audiência. Porque, uma vez que todas as outras categorias se mantiveram pelas cinco nomeações, é fácil olhar para o leque de candidatos a filme do ano e perceber que cinco são os parentes pobres e estão ali a fazer número. A discussão será sempre entre “Estado De Guerra” e “Avatar” e as respectivas nove nomeações de cada e, num cenário muito optimista, entre as oito citações de “Sacanas Sem Lei” e as seis de “Nas Nuvens” e “Precious”. “Altamente” ficará para melhor filme de animação e os outros andarão ali a passear os sorrisos de bom perdedor e o diplomático aplauso de golfe. Mas ninguém o saberá melhor que os responsáveis por “Distrito 9”, “Uma Outra Educação”, “The Blind Side” e “Um Homem Sério”. É importante é que o público também o perceba.

Não fossem este milagre da multiplicação das nomeações e a assinatura dos Coen e “Um Homem Sério” nunca estaria referenciado para filme do ano. Mas os irmãos, naquele cinismo de quem parece ter nascido já quarentão e divorciado, não se devem ralar muito com isso. Provavelmente, riram com a notícia e voltaram à preparação do filme seguinte.

“Um Homem Sério” é um pequeno filme, típica peça de artesanato da terra dos Coen. O Minnesota natal, o bairro burguês dum subúrbio americano, a comédia feita de pequenas crueldades, aquele enervante prazer em ridicularizar personagens: quem dorme tem de ressonar; quem come sopa tem de fazer barulho enquanto a sorve; quem se senta tem de ficar de canelas e peúgas foleiras à mostra. Os Coen devem achá-lo hilariante; os fãs devem achar hilariante; nós achamos apenas estéril e inútil. Mas já dizia um velho filme que as opiniões são como outras coisas que toda a gente tem, mas acha sempre que a dos outros é que cheira mal.

À parte isso, “Um Homem Sério” é um filme normal, sobre gente razoavelmente normal, que se dedica a mostrar que não há qualquer sentido metafísico para a vida. O homem do título é Larry Gopnik, um professor universitário, judeu e pai de família cheio de bons princípios: é honesto, fiel, recto, responsável, respeitador. Mas, de repente, tudo cai em volta. A mulher quer deixá-lo e expulsá-lo de casa para viver com um viúvo conhecido da família; o filho ouve Jefferson Airplane e fuma erva, em vez de se preparar para o bar mitzvah; a filha rouba dinheiro aos pais para uma futura plástica ao nariz; o irmão dorme no sofá enquanto desenvolve um elaborado cálculo matemático que lhe permita ganhar ao jogo; um aluno tenta suborná-lo para que não o chumbe; a comissão que deve decidir a sua agregação à Universidade recebe cartas anónimas que o difamam. E uma vizinha bem parecida bronzeia-se nua no jardim e tenta o que resta de nervos a Larry.

Mas, para um homem habituado a lidar com as certezas da Matemática e da Física, e crente, ainda por cima, é difícil aceitar que tudo isto aconteça por acaso. Por isso, Larry procura apoio em advogados e rabis, qualquer autoridade que lhe explique o que se está a passar, a razão de ser das coisas e o grande sentido que lhe anda a escapar. Mas os Coen não são crentes nem existencialistas e a filosofia de certeza que os aborrece de morte. Por isso, “Um Homem Sério” não nos deixa a pensar em nada nem serve para coisa nenhuma. Vindo de quem vem, o contrário é que seria decepcionante.

AB

i, 2010.02.18

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