o terror nos tempos do reality show

ACTIVIDADE PARANORMAL

De: Oren Peli

Com: Micah Sloat, Katie Featherston, Mark Fredrichs

Micah e Katie têm ouvido ruídos estranhos de noite. No dia seguinte, deparam-se com objectos mudados de sítio e outros detalhes a que já estariam habituados se tivessem gatos ou cães. Katie confessa que desde criança sente esta presença paranormal, que se ausenta dumas casas e reaparece noutras, onde ela estiver. E então, Micah, o pragmático, coloca uma câmara a registar tudo quanto se passa em casa, sobretudo enquanto dormem. O resultado final é um vídeo caseiro onde só vemos o que Katie e Micah deixam ver, como num “Big Brother” em que, em vez de trolhas e varinas, há fantasmas e demónios. E apesar de tudo – como eu e você sabemos, caro leitor – os segundos são bem menos assustadores.

“Actividade Paranormal” é o filme-fétiche da estação. Rodado com uns insignificantes 15 mil dólares, só na primeira semana nos Estados Unidos rendeu 9,1 milhões. Em volta, cresceu uma propaganda viral que o vendeu como documento real, depois como sendo inspirado em factos verídicos, depois como objecto com poderes diabólicos que Steven Spielberg teria devolvido dentro dum saquinho plástico preto para afastar a maldição.

É só fumaça, para citar, assim de repente, Pinheiro de Azevedo. Mas nada disso pode distrair-nos do essencial: “Actividade Paranormal” tem que se lhe diga. Não é uma fraude inócua como “The Blair Witch Project”, a que tanto tem sido comparado. E vai continuar a gerar discussão entre quem vê ali uma coisa revolucionária e aqueles para quem acontece tão pouca coisa no filme que melhor fariam em tê-lo chamado “Inactividade Paranormal”.

Mas não é bem assim. O atrevimento de Oren Peli merece alguma atenção. Não é um mau filme, também não é bom, mas devolve-nos a alguns códigos matriciais do cinema de que o fogo de artifício da tecnologia nos tem desviado. Nesse sentido, a sua revolução consiste em ser profundamente clássico, antiquado até. Há muito tempo que não se via uma câmara com um papel tão crucial, tão ontologizante. É ela que dá realidade a tudo. Só existe o que é dado por ela. E o seu poder é tal, sobre personagens e público, que, nos instantes em que se desliga, tudo cessa. Não há personagens nem medo nem assombrações. E nós, plateia, ficamos fechados do lado de fora, às escuras.

“Actividade Paranormal” vive dum só cenário (a casa do próprio Peli), três actores desconhecidos e esta câmara. Por isso, todo o segredo está na relação que cria o espectador. Ele é que fará o filme. Vai ver coisas na sua cabeça. Quanto mais assombrada ela estiver, mais poderoso será o filme.

O problema, o grande problema, é que “Actividade Paranormal” mete pouco medo. Na tentativa de ser credível, o terror vai sendo servido em doses previsíveis. De cada vez que o mal se manifesta, manifesta-se um pouco mais. Mais palpável, mais real, em direcção a um contorno que vamos conseguindo desenhar e, portanto, circunscrever. Não é incomensurável nem incompreensível, e isso não assusta. Não é o mal puro, mas um vulto tão pouco imaterial que até deixa pegadas e desvia alçapões para passar. Tem corpo, apenas invisível. Mais grave: o relógio colocado na câmara, é passado em fast-forward durante os tempos mortos. Quando o vemos parar, já sabemos que algo vai acontecer, e esse alerta é mortal. Calendarizar a surpresa é destruí-la. Mantém-nos sempre na zona de conforto e nenhum horror sobrevive a isso.

Só os últimos dez segundos nos arrancam à cadeira. E esse final, ao que parece, foi uma sugestão de Steven Spielberg. Mas visto à meia-noite, “Actividade Paranormal” terá o seu impacto. E será certamente muito melhor do que todas as imitações que lhe farão.

AB

i, 2009.12.03

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