o fim dos homenzinhos verdes


AVATAR

De: James Cameron

Com: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver

“Avatar” já era um dos filmes mais célebres da história recente antes de alguém o ter visto. Porque James Cameron não fazia um filme há doze anos; o último é, ainda hoje, o maior sucesso de bilheteira de sempre e porque várias fontes garantiam que o guião estava escrito desde “Titanic”, mas que o realizador queria esperar por que a tecnologia estivesse à altura deconcretizar a sua visão.

Cameron não poderia falhar. “Avatar” não poderia ser um flop. Agora que já estamos nesse futuro capaz de lhe servir a mente megalómana – dizemo-lo com todo o carinho – vemos que o realizador não falhou e que o filme nunca será um flop. Será que isso chega? Para os adeptos de “Titanic” sim; para os de “Aliens”, “Abismo” ou do primeiro “Exterminador”, não.

“Avatar” é um épico ecológico. Poderia ser o filme oficial da reunião de Copenhaga. Ou uma “Missão” em que os índios foram pintados de azul e o invasor actualizado ao século XXII.

Na provavelmente longínqua Pandora, existe um minério precioso que os humanos querem. Por isso, invadem o planeta e querem deslocar os nativos – os Na’vi – para subtrair o que reside debaixo dos seus grandes pés azuis. Como sempre, há duas formas de o fazer: diplomaticamente ou à bomba. Os cientistas querem compreender melhor os Na’vi; os soldados querem compreender melhor que som faz um planeta quando explode. Numa solução de compromisso, desenvolvem-se criaturas híbridas clonadas a partir de ADN humano e na’vi, que vão operar como avatares de humanos e tentar aproximar-se amigavelmente dos locais.

Este é o ponto de partida. Podia dar um grande filme e podia não dar. Não dá. Na forma, “Avatar” é estupendo; no conteúdo, não tem mais substância que “Rambo”.

Com todo o dinheiro e tempo do mundo, Cameron criou uma obra visualmente memorável. Rodagem real, efeitos digitais, animação, motion capture e sabe-se lá mais o quê, cruzam-se numa tela de aspecto único e que, apoiada no 3D, faz do filme uma viagem absoluta a um mundo desconhecido, que inclui a invenção de uma fauna e de uma flora completamente novas. Cameron tem uma apetência para o sonho que merece aplauso continuado de pé. Mas debaixo disso o que está? Um argumento e personagens sem espessura, simplistas, que passam pelos conflitos como um alcoólico daltónico por um sinal vermelho.

Temos um império mau e opressor e uma tribo inocente e frágil, cheia de virtudes e bons instintos. A relação entre o indivíduo e o seu avatar – aquele que deveria ser o tema do filme – não é sequer tocada de raspão; a transformação de um ser humano em habitante de Pandora também não oferece qualquer resistência; a história de amor – sim, claro, há uma história de amor por detrás de tudo – é óbvia desde o primeiro instante e corre com tanta naturalidade que ninguém diria que falamos de criaturas de planetas diferentes e em que, já agora, uma é real e a outra um mero avatar. Quem diria que há casais que têm dificuldades de comunicação só por causa duma diferença de idades.

A capacidade de montar um filme tão grande que não se confunde com qualquer outro tem de ser louvada. A ambição, o sonho e o trabalho louco de James Cameron têm de ser louvados. Mas o vazio que há lá dentro quase deita tudo a perder. Não há uma grande cena, um grande diálogo, uma personagem marcante. E nem sequer desperta especial comoção.

Cameron não quis fazer um grande filme de ficção científica; quis bater o seu próprio recorde de bilheteira. E ficamos com a certeza disso quando começa a ficha técnica e entra uma cançoneta de um avatar de Celine Dion chamado, ao que parece, Leona Lewis. Mas sim: será um papa-óscares.

AB

i, 2009.12.17

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