Dobragens
Até ter ido viver uns tempos para Itália nunca tinha pensado muito nas dobragens. Em Portugal, preocupava-me às vezes a dobrada, de que também não gosto muito. Era isso, não gostava muito, mas também não pensava muito nisso.
Em Itália tudo é dobrado. Isto tem várias consequências. Muita gente nunca ouviu a voz de, por exemplo, Brando ou Pacino. Ou Kathleen Turner. Isto é estranho, dado que não me passa pela cabeça separar a voz do actor da sua representação; são partes indissociáveis. O que seria Darth Vader noutra voz que não James Earl Jones? Será mesmo possível dobrar Alan Rickman? Se qualquer coisa dobrada, para mim, se transforma de imediato em comédia - con franchezza, cara mia, me ne frega un cazzo - o contrário também é verdadeiro – vi Jim Carey dobrado, e tive muito medo.
Para os italianos não é assim, ou melhor, não é bem assim. E não é bem assim porque, aprendi depois, nem toda a gente faz a voz de Brando ou de Pacino. Ou de Lana Turner. Não: existe toda uma criteriosa carreira de quem empresta a sua voz a estes actores. Por exemplo, quem faz de Pacino é há muitos anos o mesmo. Por outro lado, não se começa logo a fazer a voz de Pacino. Há uma carreira, como qualquer outra. Começa-se, digamos, a fazer Jonathan Rhys-Meyers, depois é-se promovido a Ewan McGregor, de seguida matura-se em Branagh, remói-se um Burton antigo, para depois, já quase no topo, sobraçar um Anthony Hopkins; por fim chega-se a ao pináculo de Max von Sydow ou Ian McKellen.
Imagino um diálogo numa festa da guilda italiana de actores de dobragens.
- Você é que é o Al Pacino?
- Não, verdadeiramente. Eu, ao invés, sou Joe Pesci.
- Mas lei é meu primo!
- Como assim, seu primo?
- Sim, Pesci é figlio da minha zia, a que sposou com o Sr. Pesci.
- Dai, não te acredito. Estás-me a prender em giro, isso é uma choqueza.
Quando se vêem os lábios a mexer fora do tempo da fala, isso expõe o artifício do cinema, expõe o seu carácter fabricado, e impede a suspension of disbelief na qual assenta o cinema. Mesmo quando é bem feita a dobragem, há sempre uma sensação de desunidade entre a voz e o actor. Não concebo, por isso, a possibilidade de boas dobragens. Esperar uma boa dobragem é como acreditar que o Keneth Branagh de «Celebrity» faria bem a voz da Formiga Z em «Ant Z».
RB
Em Itália tudo é dobrado. Isto tem várias consequências. Muita gente nunca ouviu a voz de, por exemplo, Brando ou Pacino. Ou Kathleen Turner. Isto é estranho, dado que não me passa pela cabeça separar a voz do actor da sua representação; são partes indissociáveis. O que seria Darth Vader noutra voz que não James Earl Jones? Será mesmo possível dobrar Alan Rickman? Se qualquer coisa dobrada, para mim, se transforma de imediato em comédia - con franchezza, cara mia, me ne frega un cazzo - o contrário também é verdadeiro – vi Jim Carey dobrado, e tive muito medo.
Para os italianos não é assim, ou melhor, não é bem assim. E não é bem assim porque, aprendi depois, nem toda a gente faz a voz de Brando ou de Pacino. Ou de Lana Turner. Não: existe toda uma criteriosa carreira de quem empresta a sua voz a estes actores. Por exemplo, quem faz de Pacino é há muitos anos o mesmo. Por outro lado, não se começa logo a fazer a voz de Pacino. Há uma carreira, como qualquer outra. Começa-se, digamos, a fazer Jonathan Rhys-Meyers, depois é-se promovido a Ewan McGregor, de seguida matura-se em Branagh, remói-se um Burton antigo, para depois, já quase no topo, sobraçar um Anthony Hopkins; por fim chega-se a ao pináculo de Max von Sydow ou Ian McKellen.
Imagino um diálogo numa festa da guilda italiana de actores de dobragens.
- Você é que é o Al Pacino?
- Não, verdadeiramente. Eu, ao invés, sou Joe Pesci.
- Mas lei é meu primo!
- Como assim, seu primo?
- Sim, Pesci é figlio da minha zia, a que sposou com o Sr. Pesci.
- Dai, não te acredito. Estás-me a prender em giro, isso é uma choqueza.
Quando se vêem os lábios a mexer fora do tempo da fala, isso expõe o artifício do cinema, expõe o seu carácter fabricado, e impede a suspension of disbelief na qual assenta o cinema. Mesmo quando é bem feita a dobragem, há sempre uma sensação de desunidade entre a voz e o actor. Não concebo, por isso, a possibilidade de boas dobragens. Esperar uma boa dobragem é como acreditar que o Keneth Branagh de «Celebrity» faria bem a voz da Formiga Z em «Ant Z».
RB
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