O futuro imperfeito
TRON: O LEGADO
De: Joseph Kosinski
Com: Jeff Bridges, Garrett Hedlund, Olivia Wilde
Há coisa de dez anos, o autor de “Tron”, Steven Lisberger, bateu à porta da Disney com uma proposta de sequela. Foi então gentilmente encaminhado para um estagiário que tratou de lhe anotar o projecto com reparos e sugestões. Mas atrás de tempo, tempo vem e a direcção da Disney foi substituída por gente mais nova. Gente com idade para ser criança estarrecida nos cinemas de 1982, quando “Tron” estreou.
No tempo das sequelas e dos remakes, “Tron: O Legado” e “Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme” têm uma legitimidade que escapa ao calculismo financeiro do resto da banda: é que o tempo deu-lhes razão. De “Wall Street” nem vale a pena falar; quanto a “Tron”, antecipou realidades virtuais, second lives, avatares e afins e é de uma justiça poética que venha agora colher os frutos do que semeou.
“Tron: O Legado” é um aperfeiçoamento extraordinário de “Tron”, num tempo em que a tecnologia alcançou um patamar com que em 1982 só se podia sonhar. Até porque o saudosismo é muito bonito, mas “Tron”, visto hoje, é de fugir. Não sobrevive nem pelo kitsch. Mas há no novo filme tanta vontade de aproveitar tudo o que o original tinha de bom que não duvidamos que Steve Lisberger veja na obra de 2011 aquilo que ele gostaria de ter feito no seu tempo, sem ter como.
Com um realizador estreante, Joseph Kosinski, e uma dupla de argumentistas recrutada a “Lost”, “O Legado” está longe da perfeição – tem duração excessiva, a espaços é cansativo e, na ânsia de ser entendido por crianças e adolescentes, anula grande parte do potencial trágico – mas é um trabalho honesto e um filme decente.
Para quem não viu “Tron” e para os que, de 82, só se lembram do Mundial de Espanha, sintetizemos: Ed Dillinger, o autoritário líder de uma mega-empresa de informática, criou o Master Control Program, uma espécie de segurança de todo o sistema, mas o programa emancipou-se e tomou o poder. Então, Kevin Flynn (Jeff Bridges), um génio da programação, é digitalizado e, com a ajuda de Tron, um soldado criado por Alan Bradley (Bruce Boxleitner), vai tentar derrotar o vilão no seu terreno virtual de jogos e píxeis.
Em “Tron: O Legado”, o tempo passou. Flynn desapareceu há vinte anos, deixando sozinho um filho de seis, Sam. Agora, o velho Alan Bradley recebe uma mensagem no pager (sim, ele nunca largou o pager) enviada pelo computador de Flynn, desactivado desde mil novecentos e troca o passo. Tudo isto é contado em 2D, preparando o mergulho num dos raros 3D que se recomendam e justificam, quando Sam (Garrett Hedlund) partir em busca do pai no mundo nocturno do grande jogo de computador.
A partir daqui, desenvolve-se uma parábola à crueldade dos regimes perfeitos, ao totalitarismo, ao confronto de criador e criaturas e, em última instância, à relação entre um pai e um filho. Ao ritmo de uma fabulosa banda sonora dos Daft Punk, Sam é lançado nos jogos como um gladiador no circo romano. Regressam os duelos de discos e de moto de luz e a guerra contra-natura entre programas e utilizadores, num universo onde só os últimos conhecem o milagre do nascer do sol. Nota para uma cena: o bar End of Line (expressão com que o Master Control Program terminava as comunicações no filme original), onde domina Zuse (Michael Sheen travestido de Ziggy Stardust), Steven Lisberger faz um cameo como empregado e os Daft Punk são os DJs de serviço.
Em suma, a única coisa realmente a lamentar é que o protagonista, Garrett Hedlund, seja um canastrão dos antigos (as más notícias não ficam por aqui: ele vai ser Dean Moriarty em “Pela Estrada Fora”). O resto é uma homenagem ao futuro, como ele costumava ser em 1982.
AB
i, 2011.01.13
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