Do cabaré para o tormento


Estreias: BURLESQUE

De: Steve Antin

Com: Christina Aguilera, Cher, Stanley Tucci

Um musical com Cher e Christina Aguilera. Ok. Ninguém vai poder dizer que foi lá parar ao engano. Se lhe apetece um thriller, um drama familiar, uma coisa que o faça pensar, rir, filme histórico, intriga política, espionagem, épico, suspense, sci-fi, experimental, personagens densas, argumento surpreendente, humor negro, terror, vampiros, perseguições a alta velocidade, etc, etc, o seu lugar não é aqui. Este é um género muito específico: só lá entra quem gosta de: a) musicais; b) de musicais e de Cher; c) de musicais, de Cher e de Christina Aguilera. Qualquer pessoa que não preencha um destes requisitos e vá ver “Burlesque”, vai dar por si a preferir ter passado aquelas duas horas a ser picado repetidamente por um enxame de abelhas em fúria. Isto é, poderão acusar “Burlesque” de tudo, excepto de desonestidade. E, dito isto, passemos à acusação.

Uma jovem talentosa da província chega à grande cidade. Contempla as torres majestosas, os letreiros luminosos, o movimento contínuo de pessoas de todas as origens e deslumbra-se. Vem cheia de sonhos de ser artista, de triunfar. De repente, descobre um velho cabaré e quer por força entrar para o elenco de artistas da casa, mas ninguém dá nada por ela. E nós, da plateia, cheios de vontade de gritar para a tela: “Eh, pessoal! É a Christina Aguilera, pá! Não a estão a reconhecer?” Mas nada. Christina, aliás, Alice, serve às mesas, voluntaria-se para tudo, esmera-se imenso, é boazinha até dizer chega e, um dia – há sempre um dia – aparece uma oportunidade. Em meio minuto, o patinho feio transforma-se em cisne, canta e dança que é uma coisa louca e passa instantaneamente a atracção principal da chafarica. O que nos leva à segunda camada de história do filme: a dita chafarica está em risco. O velho Burlesque, propriedade de uma estóica Cher / Tess, deve dinheiro a toda a gente e mais alguma e está na iminência de ser comprado por um empresário sem coração (Eric Dane) que só quer o terreno para mandar o clube abaixo e construir arranha-céus – o bruto.

A história é mais velha que a Salve Rainha, mais ou menos da idade de Cher, portanto. Mas uma pessoa consegue resistir até certo ponto porque – do mal o menos – “Burlesque” não é presunçoso. A historinha vai passando entre uma canção e outra e a malta distrai-se a ver as raparigas e a contabilizar quantos filmes já terá visto com Stanley Tucci (qualquer coisa entre 20 e 50, numa perspectiva conservadora).

O problema é que, de repente, Christina Aguilera toma mesmo conta do pedaço. Uma vez que começa a cantar, já ninguém a cala e “Burlesque” passa subitamente de musicalzinho batido, mas despretensioso, a Christina Aguilera Show – e uma pessoa não estava preparada para isso. Pronto, tudo bem que Cher cantasse umas cançonetas, Christina outras e dividia-se o mal pelas aldeias. Mas não – a senhora de “The Shoop Shoop Song” só tem direito a duas voltas no carrossel de menina “Genie In A Bottle”; de resto, que se contente em chorar no ombro de Sean / Stanley Tucci, um amigo gay para todas as ocasiões (com quem já teve uma noite de perdição – o volume de cliché chega a este nível).

A dura realidade é que “Burlesque” tem três nomeações aos Globos de Ouro, incluindo melhor filme em comédia ou musical. Dá bem o panorama do que foi 2010 em matéria de humor.

O ano fecha com uma semana menor nos cinemas, num tempo em que se deseja bom ano com o tom com que se diz “boa sorte”. 2011 vem como um filme com más críticas. Pode ser que nos surpreenda. Não é saudável levar a sério tudo o que dizem os críticos.

AB

i, 2010.12.30

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