o tempo de antena do partido republicano


UM SONHO POSSÍVEL

De: John Lee Hancock

Com: Sandra Bullock, Quinton Aaron, Tim McGraw

Comecemos pelo título. “Um Sonho Possível” corresponde a “The Blind Side”, o filme de que todos ouvimos falar há poucas semanas, a propósito do Óscar de Sandra Bullock. “The Blind Side” significa “O Ângulo Morto”, mas Portugal tem a bonita tradição de inventar títulos que não querem dizer nada. Desconfio, aliás, que existe, algures, uma lista de títulos pré-feitos que as distribuidoras compram e atiram para cima das bobines. Coisas do género: “Sonhos Desfeitos”, “Amor Sem Barreiras”, “Vingança Furiosa”, “Noites de Paixão”, “Fúria de Vencer”, etc. Ao fim de uns anos, já ninguém se lembra deles e até se podem reutilizar – uma maravilha.

Passando à vaca fria. Não há memória de uma coisa tão fraquinha ter sido nomeada ao Óscar de melhor filme. “Um Sonho Possível” não é sequer um filme, é um telefilme de sábado a tarde. Uma peça acidental de propaganda a Sarah Palin. Um sonho húmido da América republicana.

A partir da história verídica de Michael Oher, John Lee Hancock monta um conto banal sobre superação individual e o bom que é ter uma família. Oher é um adolescente negro de dois metros por dois, filho de mãe toxicodependente e pai incógnito, que é acolhido pelos Tuohy, uma família branca de Memphis, com tudo aquilo a que tem direito uma boa família americana: uma grande casa, grandes carros, dinheiro, boas maneiras, espírito cívico, fé em Deus, filhos felizes, amor entre o casal e uma crença indomável no valor da formação desportiva e intelectual. Bullock é Leigh Ann, a matriarca e capitã de equipa que vai recolher Michael da rua e colocá-lo numa boa escola cristã e na equipa local de futebol americano. Só que, na escola, Michael tem más notas e, no futebol, é tão bonzinho que não consegue atacar ninguém. Até ao dia em que lhe fazem testes psicotécnicos e descobrem que tem má nota a tudo, excepto no instinto de protecção. E é na posse dessa informação que Leigh Ann fará de Mike um aluno surpreendente e um desportista fora de série.

“Um Sonho Possível” é previsível, redundante, paternalista, puritano. Tenta parecer duro, mas é feito por meninos de coro. Ninguém vê sofrimento em Mike, ninguém acredita na droga da mãe, ou na violência do bairro, no ressentimento, no remorso, na miséria. Veja-se “Precious”, de Lee Daniels: aquilo é dor e violência e superação; “Um Sonho Possível” é um vídeo de campanha. Bullock é o melhor que o filme tem para dar, mas merecia tanto o Óscar como o Nobel da Física. E nem ela consegue disfarçar o total erro de casting que é Quinton Aaron, o Big Mike – inexpressivo como uma batata, incapaz de nos fazer acreditar que sofre, rejubila, muda de ideias. Tudo o que faz é passear o tamanho colossal e, mesmo aí, tem o azar de apanhar um realizador que não consegue sequer o óbvio: mostrá-lo como gigante. Orson Welles obteria efeitos mais impressionantes com um anão.

Mas falta falar daquilo que é verdadeiramente enervante em “Um Sonho Possível”: estar cheio de artesanato americano que nem se dá ao trabalho de explicar. Cerimónias de formatura e chapelinhos quadrados, disputas entre universidades de que nunca ouvimos falar, longas conversas sobre cores e símbolos de equipas que não conhecemos nem temos de conhecer, estrelas do desporto que nunca vimos mais gordas e, sobretudo, tresandar a futebol americano. O futebol americano, caros americanos, é algo que não entendemos, nunca entenderemos e temos sérias dúvidas de que valha a pena entender. É que suspeitamos seriamente que, enquanto metáfora da vida, até uma bisca lambida funciona melhor.

AB

i, 2010.03.25

Comentários

Blondewithaphd disse…
Vi na América, antes de saber qual o infeliz título em Português. Tirando o facto de gostar da Sandie Bullock, como actriz pop e bem-disposta, não achei nada de especial. E desconfio que, lá tirando o Oscar, o filme só lhe traga más recordações de um certo homónimo de foragido western que, por acaso, é marido dela.
Anónimo disse…
Também suspeito. Se é que ainda é marido. Obrigado pelo comentário, Blonde.
Anónimo disse…
Eu gostei. Não é um filmaço mas é uma história real, soft. Se é sobre futebol americano ou não, se este desporto faz muito ou pouco sentido, não acho seja por aí que se deve pegar numa crítica ao filme.
Vejam que se vê bem e a Sandra está muito boa. Perdão, bem.
Sílvia disse…
Não mudo uma vírgula. Começo a duvidar se não foi escrito por mim... ;)
Anónimo disse…
;) Assim é que é bonito, Sílvia.

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