alice já não mora aqui (e tim burton também não)

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

De: Tim Burton

Com: Johnny Depp, Helena Bonham Carter, Mia Wasikowska

Quando a notícia chegou, já tínhamos o filme todo na cabeça: Tim Burton ia adaptar “Alice No País Das Maravilhas”. Que podíamos pedir mais? Burton saiu do país das maravilhas; agora, estaria, simplesmente, a voltar a casa, mas feito um homem, pronto para ser o novo chefe de família. Depois, fomos sabendo dos detalhes: Burton trazia a artilharia pesada do costume – Johnny Depp, Helena Bonham Carter, a música de Danny Elfman. Para escrever o guião, Linda Woolverton, de “A Bela E O Monstro” e “Rei Leão”. Tudo pago pela Disney. Tudo embrulhado em 3D, o último fétiche do cinema. Impossível querer melhor. Dissemos há pouco que já tínhamos o filme todo na cabeça? Não. Agora, é que tínhamos. E era fantástico! Depois, o filme estreou. E o que tínhamos na cabeça era muito melhor…

Sim, é o problema das nossas expectativas. Sim, é o problema das expectativas que os estúdios criam com a promoção a começar seis meses antes das estreias. Mas isso está longe de explicar o quão morno é este “Alice No País Das Maravilhas”.

Comecemos pela ideia. Esta não é exactamente a Alice original, mas uma Alice que, entretanto, cresceu, tem 19 anos e está prestes a casar com um homem que não quer. Então, pede um momento, foge aos convidados, persegue um coelho pelo jardim e acaba por cair pela toca abaixo e ir parar a Underland. Sim, porque não era “Wonderland” – ela é que tinha percebido mal. E estas são as novidades: um trocadilho inútil e o regresso de uma Alice adulta, mas que ainda não se sente adulta e prefere continuar a ser criança. Tudo na mesma, portanto.

A partir do momento em que chega a Underland e o verdadeiro filme começa, ficamos a conhecer o resto do argumento: ela foi chamada porque já ninguém aguenta a Rainha de Copas, querem entregar a coroa à Rainha Branca e viram no oráculo que será Alice a derrubar o dragão e, com isso, a cumprir a troca de trono entre as irmãs. Entre um ponto e outro, Alice vai esbarrar, uma por uma, nas personagens que todos conhecem: o Chapeleiro Louco, o Coelho Branco, Tweedledee e Tweedledum, etc. Aos poucos, confirma-se a suspeita inicial: o truque de não contar a história original e dizer que este é, afinal, o regresso de Alice ao País das Maravilhas é terreno completamente estéril. Os habitantes de Underland não têm a certeza de que seja a mesma Alice; ela nem por um momento se recorda de alguma vez ali ter estado. O que nos leva a mais dois problemas: a história só avança porque a desmemoriada Alice, de vez em quando, lá se lembra de que está só a sonhar e que, portanto, se aquilo é o sonho dela, ela é que decide o que acontece a seguir. Por outro lado, a Rainha de Copas que, ao ver uma rapariga loura no oráculo, diz logo que é Alice e que reconheceria aquela cabeleira em qualquer lugar, é a mesma que a vai acolher como preferida no palácio, acreditando que a moça se chama Hum.

E o filme lá passa, rapidamente, até ao combate entre Alice e o dragão – igual a qualquer outra coisa já vista em Harry Potters e afins – para acabar, pouco depois, por falta de assunto. Sim, estivemos entretidos. Ou melhor, distraídos. Mas nem por um momento andámos verdadeiramente interessados na sequência de acontecimentos ou destino das personagens. É uma história sem actos, sem surpresas, sem clímax. Boa para crianças e nada mais. O 3D ainda tem muito que crescer e o excesso de efeitos digitais qualquer dia torna o cinema numa coisa menos realista que uma caricatura de jornal. A verdade é que Burton chegou ao topo com “Big Fish” e, desde então, vem a descer. E que Johnny Depp caminha, rapidamente, para se transformar numa marioneta.

AB

i, 2010.03.04