o titanic, agora com rock em vez de celine dion


O BARCO DO ROCK

Realização: Richard Curtis
Com: Philip Seymour Hoffman,
Bill Nighy


Ezra Pound dizia que reconhecia um mau crítico quando ele começava por falar do poeta e não do poema. Agora que começámos por esta bonita citação, presumo que estejamos livres para passar a falar do realizador e, depois, do filme.
Por si só, o nome Richard Curtis não levará mais que meia dúzia de portugueses ao cinema. O conjunto de portugueses que vai ao cinema movido pelo realizador e não pelos actores ou pelo título do filme deve, aliás, ser tão numeroso como a claque do Belenenses – para cima, vá!, duns trinta malucos. Mas Curtis é só um tipo que o Telegraph classificou, o ano passado, como segunda personalidade mais poderosa da cultura britânica (não perguntem pela primeira. Não é impossível que fosse Victoria Beckham). E é, sobretudo, um dos argumentistas responsáveis por “Blackadder” e o autor dos guiões de “Quatro Casamentos E Um Funeral” ou “Notting Hill”. “O Barco Do Rock” é a sua segunda vez como argumentista-realizador, depois do bem sucedido “O Amor Acontece”.
Agora, ilustre Pound, passemos ao poema… “O Barco Do Rock” – nome pobrezinho, convenhamos – começa em ‘66, quando a pop-rock britânica está na sua primavera absoluta e a BBC Radio não lhe concede mais que 45 minutos diários de airplay. O terreno é fértil ao nascimento das emissoras piratas, cuja ousadia de passar, continuamente, aquele género musical imoral, haveria de valer 25 milhões de ouvintes. A partir daqui, a Radio Caroline inspira a Radio Rock e estabelecemo-nos, de armas e bagagens, na ficção. Num velho barco de pesca a emitir a partir do Mar do Norte, vivem os maiores ídolos dos jovens britânicos: um conjunto de radialistas liderados por Quentin (Nighy) e The Count (Seymour Hoffman), o DJ-estrela americano que sonha ser o primeiro a dizer a “f word” aos microfones ingleses. Sobra uma variada trupe masculina e a única mulher a quem foi concedida a honra de viver a bordo: Felicity, a cozinheira lésbica. A história começa quando Carl (Tom Sturridge) chega ao barco, enviado pela mãe a fim de se fazer homenzinho, e alterna entre o ambiente delirante em alto-mar e a austeridade do gabinete de Sir Dormandy (Kenneth Branagh), o ministro que quer, à força, apagar do mapa as rádios pirata.
“O Barco Do Rock” é um óptimo filme enquanto se segura à sua narrativa central: a paixão pela rádio, pelo rock e pela cultura pop em geral. Aí, é uma celebração, uma explosão de vida e um convite irresistível a seguir Seymour Hoffman e a genial composição que Rhys Ifans (irreconhecível) faz de Gavin, uma espécie de Iggy Pop da rádio que regressa, a meio da trama, para incendiar de vez o ambiente a bordo. Mas quando Curtis parte para os subplots – matéria em que é um ás (vejam-se os filmes citados) – a pica perde-se e o ritmo abranda muito para lá do recomendável ao estilo musical em epígrafe. As relações amorosas, a simples sobrevivência das personagens e um suposto drama central em que Carl é, subitamente, informado de que o pai que nunca conheceu se encontra, algures, entre os ocupantes do barco, são superficiais e irrelevantes. O contraponto do conflito, que deveria ser tarefa do ministro Kenneth Branagh, torna-se repetitivo e caricatural, e o filme vai-se estendendo para lá das duas horas recomendáveis, com golpes de argumento que tentam puxar à lágrima, mas que se revelam tão óbvios como algumas das opções de banda sonora. O saldo é positivo, sem dúvida, mas, para citar uns grandes do rock actual, “you could have it so much better”. (Noto agora que começámos a citar Ezra Pound e terminámos em Franz Ferdinand. Bonito serviço.)
AB
i, 2009.07.23

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