a comédia romântica. Ou: como é bom ser previsível


A PROPOSTA

Realização: Anne Fletcher

Com: Sandra Bullock, Ryan Reynolds

Margaret Tate é uma intratável editora sénior de um grande grupo editorial. Bem sucedida, arrogante e diabolicamente tirana, é tão temida pelos subalternos que correm alertas pela intranet quando chega ao escritório: “Ela já cá está!”. Escraviza Andrew Paxton, o assistente, e começa o dia a despedir Bob Spaulding, um editor promissor, com a mesma naturalidade com que toma o café da manhã. Mas aguarda-a uma notícia inesperada quando sobe à administração: há problemas com a renovação do seu visto de permanência nos Estados Unidos: a canadiana deve regressar ao país de origem por um ano antes que se volte a tentar o pedido de entrada no território e, com isso, interromper, talvez irrecuperavelmente, uma meteórica carreira em Manhattan. Aqui, começa o embuste que alimentará toda a comédia: Miss Tate alega estar noiva de Andrew, o assistente, que acaba por aceitar entrar no jogo a troco de uma promoção a editor. O casamento com um “citizen” pode assegurar a Tate a manutenção da vida que conquistou a pulso, mas, a partir daqui, ela e Andrew terão que manter as aparências diante da família dele e ludibriar o céptico funcionário dos serviços de imigração que os persegue.

A comédia romântica é uma espécie de camisa branca do Cinema: nunca sai de moda, mas também não se lhe pode pedir que impressione. Ninguém diz: “fulano apareceu com uma extraordinária camisa branca!”, do mesmo modo que não se espera da comédia romântica um marco da sétima arte. À parte acontecimentos perfeitamente excepcionais como “When Harry Met Sally” ou “Four Weddings And A Funeral” (ou, recuando muito no tempo, se pensarmos em Billy Wilder e ele nos der a licença de não se revirar no túmulo), a comédia romântica é como o Timex: não atrasa nem adianta. Vai bem com casais apaixonados e solitários melosos à procura de hora e meia de apaziguamento. O grande risco que corre é não correr riscos. Ser vulgar e, portanto, perdurar tanto na memória como o sabor de um hamburger.

Não estando isenta de erros, “A Proposta” é uma boa camisa branca, um bom hamburger, um timex certinho, um pouco acima da média. Filme da ex-coreógrafa e realizadora recente Anne Fletcher, escrito pelo estreante Peter Chiarelli, tem a grande virtude de não repetir, ao minuto, a fórmula automática do género: rapaz conhece rapariga, apaixonam-se, zangam-se e fazem as pazes. Tate (Sandra Bullock) e Andrew (Ryan Reynolds) já se conhecem há muito e o romance demora a aparecer. Não há cliques nem amores à primeira vista e, apesar do desfecho ser obviamente mais previsível que o resultado de um Barcelona-Freamunde, sabe contornar o tédio com o entretenimento, excelentes gags e algumas belas personagens donde emergem o obstinado agente dos serviços de imigração (Denis O’Hare) e um exótico padre-stripper (Oscar Nuñez). Haverá também quem aprecie ver Betty White enquanto avó nonagenária a roubar todas as cenas em que entra, e quem, como nós, já tenha dado para o peditório da velhota maluca em quem os filhos não têm mão.

“A Proposta” tem um problema logo no ponto de partida: a personagem de Margaret Tate é tão convincente na pele de imigrante ilegal como Darth Vader a fazer-se passar por membro do Coro de Santo Amaro de Oeiras. Mas, se nos armarmos em agente da PSP e sibilarmos um generoso “desta vez, passa”, a coisa flui. Sandra Bullock carrega o filme às costas e faz prova de vida num mundo onde foi sempre demasiado “girl next door”. Aos 44 anos, não receberá muitos mais papéis como este, o que pode ser uma boa notícia, se tiver unhas para coisas melhores.

AB

i, 2009.07.09

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