Um Gigante Solitário: Os meus dois cêntimos sobre o aniversário do James Dean


Faria hoje 81 anos James Dean

Enquanto lenda, Dean dispensa qualquer tipo de apresentações. Não é preciso sequer ter-se ido muito ao cinema para já termos ouvido falar nesse irredutivel rebelde sem causa (pode ter sido Brando quem respondeu "What do you got?" à famosa pergunta "What are you rebeling against?", mas o dialogo encaixaria que nem uma luva na persona de Dean), alma torturada, que viveu depressa e morreu novo, mas deixou uma inegável marca em gerações sucessivas de jovens, que viram nele o derradeiro sinal de rebeldia de adolescente.

 É quase sempre complicado falar de James Dean, porque por esta altura quase tudo o que é importante dizer sobre ele já foi dito ou escrito... mas por vezes apetece voltar ao tema, tentar enquadra-lo no seu espaço temporal, analisar as consequências do seu desaparecimento precoce, ou mesmo tentar perceber se ele era assim tão bom actor como isso (que o era, mas já lá vamos!).

A par de Brando, Dean é o primeiro dos actores modernos (embora com alguma justiça, podíamos colocar igualmente Montgomery Cliff ou até mesmo Frank Sinatra nesta lista...), um dos que define o antes e o depois no modo como os filmes são representados, que percebe as ideias de Kasdan e Stanislavsky e ajuda a trazer o famoso método do Actors Studio para o Hollywood (se tivemos a sorte de o ver dirigido por 3 realizadores de actores como Kasdan, Ray e Stevens, sempre imaginei como seria vê-lo nas mãos de Preminger...).


É curiosamente uma morte, a de Ben Gazzarra, que foi colega de turma na Actor Studio e seu amigo pessoal, e outro aniversário celebre, o de François Truffaut, que me leva a pensar no quanto perdemos com a morte de Dean.

Aos 82 anos Ben Gazzarra (como já foi aqui referido no Noite) contava com 133 participações filmes, nem todos bons é verdade, mas quase sempre justos e fortes nas suas interpretações. Gazzarra nunca beneficiou do estatuto de estrela universal como Dean e o seu trajecto como leading man foi mais moroso do que o deste jovem cometa, que teve a sorte de protagonizar os seus três únicos filmes. Mas numa matemática simples (ou direi mesmo simplista), quase que apetece dizer que no dia do fatidico acidente com o Porche, roubaram-nos pelo menos130 interpretações de James Dean.

Estes exercícios de “o que seria” têm sempre um valor relativo, mas não é dificil imaginar que Dean, um apologista do teatro independente e off-Brodway, teria certamente embarcado nas aventuras independentes de Cassavets (outro dos seus colegas) e outras experiências do género à medida que a década de 60 avançava. Do mesmo modo que a sua representação teria sido inevitavelmente influenciada pela chegada (bastava esperar cinco anos) dessa bela revolução a que se chamou a Nouvelle Vague, tal como influenciou Warren Beatty e Paul Newman, provavelmente os dois jovens actores cujo as carreiras mais beneficiaram com sua morte. Teria também sido interessante descobrir como é que ele iria sair desse type cast de papeis de adolescente torturado, mas cá está... voltamos ao universo do “o que seria”.

Por isso passemos ao concreto, o que torna afinal Dean um actor digno de recordação? porque é ele, com apenas três filmes um Gigante? Se é certo que não se explica o carisma, o estilo natural ou a profundidade de um olhar (embora se tente replicar em laboratório há mais de 50 anos), o material que temos para analisar de Dean, esses três únicos filmes, revelam-nos um actor que aos 24 anos já demonstrava um total domínio e conhecimento da sua técnica. 

Mais do que o modo empenhado como entregava as suas falas, da maneira como conseguia transparecer fragilidade ou do que as suas famosas explosões emocionais (que as têm em todos os filmes) ou seja, as habituais cenas vistosas que fazem com que se fale de um actor, o que me impressiona principalmente em Dean é a sua presença nos momentos calmos, quando não se está à espera que ele brilhe, quando não é óbvio. Mesmo quando não é o foco da atenção, Dean está sempre presente na acção, pelo o modo como interage com a mesma. Por muito pequeno que seja o que está a fazer, um simples roçar de pé na gravilha, o colocar as mãos nos bolsos, a sua incapacidade de se desligar do que o rodeia torna cada cena mais rica e interessante. 

Tal como Brando na época, e até de uma forma mais subtil, ele não se limita a aguardar que os actores com quem contracena terminem as replicas para poder debitar o seu texto e ir embora. Dean vive cada cena como se aquela fosse parte da sua própria vida, e assim o actor abandona a simples representação, para entrar numa constante interpretação do que o rodeia. Serve-se do texto que lhe deram, mas deixa-se principalmente guiar pelo estado emocional do que absorve do momento. Pequenos detalhes que hoje damos quase como dados adquiridos de qualquer boa interpretação.

Por fim temos as eternas, inevitáveis e sim, desnecessárias comparações. O descobrir quem era melhor que quem. Mais uma vez os filmes que temos para comparação não nos permitem grande margem para analises, mas há um pequeno detalhe que sobressai em Dean em relação aos seus pares. Se pensarmos nos três mais emblemáticos actores dos últimos anos, Marlon Brando, Al Pacino e Robert De Niro, e nas suas primeiras interpretações de relevo, em que estavam a trabalhar na sua zona de conforto, descobrimos que em comum todos têm um inevitável side-kick ao seu lado. Alguém em quem confiam totalmente quando estão a representar, que os apoia, e eleva o seu jogo para um patamar superior. Como um Scotty Pippen para o Michael Jordan. 

Brando teve Karl Malden, Pacino teve o inigualável John Cazale e De Niro teve Joe Pesci. E Dean? Dean estava sozinho... ou quase. O seu side-kick, ou a força da sua interpretação está quase sempre ligada à ausência de uma figura paterna, é isso que puxa por ele. É com essa ausência e solidão que ele dialoga e que encontra a força para o leva para o patamar seguinte. Também por isso teria sido interessante tê-lo visto tentar outros papeis.

Faria hoje 81 anos James Dean. Morreu aos 24... e ninguém me tira da cabeça que nos privaram realmente de 57 anos de bom cinema.

MS

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